Ângulos fatais

Não é possível não partir

Não é possível ficar

Pois tudo é tão transitório,

Tão passageiro...

Nuvens fogem pela tarde sangrenta

a fora

Os raios do sol fogem das montanhas

E adormecem as margens plácidas de

rios secretos.

A noite cai silenciosamente

Negra e ritualisticamente.

Não é possível não partir

Não ir embora

Fugir dessa estória.

Dessa lágrima,

Desse sofrimento,

Dessa falta de ar.

Pesa-me ir,

Deixando para trás tanto

Caminho torto,

Tanta erva daninha...

Tantos sonhos inacabados

Borrados no horizonte pobre

De uma manhã burocrática...

Pesa-me muito partir

Arrumar as malas,

Escolher o que levar...

O que deixar...

Ainda que muito de mim,

Permaneça exatamente

aqui...

No cheiro dos lençóis.

Dentro dos armários

Dentro dos lábios selados

com palavras não-ditas

Muito de mim,

Permanece de alguma forma,

Nos bilhetes atônitos e

apressados

Diziam coisas breves

e muito urgentes.

Na pausa química do café

Com incontáveis gotas de adoçante

É impossível não desistir,

Não renunciar...

Não cortar as amarras,

Perder o cais.

Apagar a estação de trem com a

própria fumaça

do tempo

e da velocidade imaginária.

Ontem abri uma porta

Fechei outras.

Irrompi muitos silêncios

Destituir déspotas de seus poderes

Cavalguei por várias batalhas,

Sob sol, sob chuva

e muita dor incutida.

Pisando no tapete vermelho tingido

de sangue

Impus, briguei, ganhei e perdi.

Dói perder e reconhecer que se perdeu...

Que é irreparável...

Quando não é mais

simplesmente possível.

A possibilidade é apenas um arco

De piedade e congruência

Tangente ao corpo,

Cosseno da alma.

Seno do espírito

dominado pela hipotenusa

E desprezada como um cateto.

Essa é a despedida

Não é desejada

É imposta por mil razões de ser.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 28/02/2012
Código do texto: T3525613
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