Ângulos fatais
Não é possível não partir
Não é possível ficar
Pois tudo é tão transitório,
Tão passageiro...
Nuvens fogem pela tarde sangrenta
a fora
Os raios do sol fogem das montanhas
E adormecem as margens plácidas de
rios secretos.
A noite cai silenciosamente
Negra e ritualisticamente.
Não é possível não partir
Não ir embora
Fugir dessa estória.
Dessa lágrima,
Desse sofrimento,
Dessa falta de ar.
Pesa-me ir,
Deixando para trás tanto
Caminho torto,
Tanta erva daninha...
Tantos sonhos inacabados
Borrados no horizonte pobre
De uma manhã burocrática...
Pesa-me muito partir
Arrumar as malas,
Escolher o que levar...
O que deixar...
Ainda que muito de mim,
Permaneça exatamente
aqui...
No cheiro dos lençóis.
Dentro dos armários
Dentro dos lábios selados
com palavras não-ditas
Muito de mim,
Permanece de alguma forma,
Nos bilhetes atônitos e
apressados
Diziam coisas breves
e muito urgentes.
Na pausa química do café
Com incontáveis gotas de adoçante
É impossível não desistir,
Não renunciar...
Não cortar as amarras,
Perder o cais.
Apagar a estação de trem com a
própria fumaça
do tempo
e da velocidade imaginária.
Ontem abri uma porta
Fechei outras.
Irrompi muitos silêncios
Destituir déspotas de seus poderes
Cavalguei por várias batalhas,
Sob sol, sob chuva
e muita dor incutida.
Pisando no tapete vermelho tingido
de sangue
Impus, briguei, ganhei e perdi.
Dói perder e reconhecer que se perdeu...
Que é irreparável...
Quando não é mais
simplesmente possível.
A possibilidade é apenas um arco
De piedade e congruência
Tangente ao corpo,
Cosseno da alma.
Seno do espírito
dominado pela hipotenusa
E desprezada como um cateto.
Essa é a despedida
Não é desejada
É imposta por mil razões de ser.