SOU, TALVEZ

Sou um rosto amarfanhado

E talvez uma lágrima inapagável

Dou um mergulho e fluo no fel

Que delonga meu pranto acanhado

Sou uma sombra sem árvore

Onde o vacilar da lamúria dança

Agitada pelos holofotes da andança

Que se enegrecem no meu mármore

Ser eu mesmo é impossível

Porque de nada lembro senão

Prejudicar meus dedos no invisível

Em cujo persistir torno-me anão

Todos vêm mas ninguém fica

Até eu me desmarco desta fronteira

Onde pachorrentos se pavoneiam na feira

e no zumbir do comboio avanço uma mica

Sou eu que persisto avançar

Sob ameaça de um pesadelo bruto

Que apaga minha memória de luto

Perdida na avenida em que quis dançar

Sou eu e a possibilidade de viver

Cada vez mais na solidão fumegante

Onde um cloro de crença gigante

me devolve vontade de escrever

Benguela, 19/02/2012

Nkazevy
Enviado por Nkazevy em 20/02/2012
Reeditado em 27/12/2014
Código do texto: T3509745
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