SOU, TALVEZ
Sou um rosto amarfanhado
E talvez uma lágrima inapagável
Dou um mergulho e fluo no fel
Que delonga meu pranto acanhado
Sou uma sombra sem árvore
Onde o vacilar da lamúria dança
Agitada pelos holofotes da andança
Que se enegrecem no meu mármore
Ser eu mesmo é impossível
Porque de nada lembro senão
Prejudicar meus dedos no invisível
Em cujo persistir torno-me anão
Todos vêm mas ninguém fica
Até eu me desmarco desta fronteira
Onde pachorrentos se pavoneiam na feira
e no zumbir do comboio avanço uma mica
Sou eu que persisto avançar
Sob ameaça de um pesadelo bruto
Que apaga minha memória de luto
Perdida na avenida em que quis dançar
Sou eu e a possibilidade de viver
Cada vez mais na solidão fumegante
Onde um cloro de crença gigante
me devolve vontade de escrever
Benguela, 19/02/2012