CATACLISMO

Queria, ao menos, que a tristeza se esvaísse em sonhos

E que a vida sempre emprestasse alegria sem juros

Sem naufragar no caos dos versos mais medonhos

Sem velejar em naus nos mares mais escuros

Queria, ao certo, que a tristeza não me conhecesse

Nem me mandasse lembranças nos aniversários

Nem me aturdisse em momentos vãos como esse

Que se revelam tão céleres, insípidos, refratários

Ah, se eu pudesse ser apenas um pássaro livre

Voando sobre os montes que o desalento ergue

Não ia desabar na dor de cada vão declive

Ainda que eu quisesse tudo o que a vida negue

Mas o verbo querer não se conjuga apenas

Com a alma incólume a qualquer turbulência

Manifestando-se em doses nem tão pequenas

De insensatez, de dúvida, de incongruência

E aquela vã tristeza que surpreende tanto

Talvez seja apenas um sentimento intruso

Acalentando chuvas de sonoro pranto

Onde surgiria o sol e seu calor profuso

Então somente resta a luz como esperança

De que o arco-íris vença o crucial abismo

E analogamente ao sorriso de uma sã criança

Remova, enfim, a tristeza como um cataclismo.

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