Cárcere
Havia sofrimento impresso nas paredes
Nas frestas exalando solidão e tristeza
Havia mistério desenhado nas sombras
E medo estampado nos olhos
A porta era um umbral inatingível
A chave era milagrosa
sorvia o abismo e o instante
Engolia toda minha esperança
E me sorria ao som do tilintar
Havia apenas penumbras e escaras
na pele, na alma e nos sapatos
O desconforto não era sentir,
perceber e esconder
sob o silêncio dos olhos
o tom hepático e amargo da dor.
A compulsiva dor corrosiva
a dilacerar tudo, boas lembranças,
esperanças e até mesmo o amanhã...
No cárcere os dias não passam
Apenas falecem num monastério oculto
O sol é negro e está de luto.
No cárcere as noites não terminam
Apenas se tornam latentes
e são estranhamente esculpidas
na escuridão da sala.
As janelas, as grades e a impossibilidade de fugir
É apenas mais uma estratégia da loucura,
embalsamada na angústia de perder
a capacidade de amar,
De perder um tempo vivido
e que nunca voltará
No cárcere, o tempo é castigo.
O espaço é inútil
E as palavras azedam bolorentas
Pois foram guardadas dentro do livro
do ressentimento.
No cárcere, a chave não é solução
É a pequena ponta do abismo
a desafiar nossa imaginação e permitir
alguns instantes de ilusão de liberdade...
Por onde a alma vagueia...
Por onde entranham os ventos
Por onde se esfregam
até largar o cheiro...
O cheiro de cárcere
Preso às vestes
e atado aos destinos.
No cárcere o número é
a fantasia do finito.