Triste
Triste
(Renan Flores)
Hoje eu vi um velhinho
Um velhinho tão pequenino
Não chegava a um e sessenta
A coluna curvada, a bengala o sustenta
A bengala tão pequenina quanto o velhinho
Calça culto e paletó, mochila nas costas
Tão velhos quanto o velho
Seu rosto me lembrava um sábio chinês
Aquela barba longa e bem cuidada
Aquele rosto gentil, que parece sempre esconder um sorriso
Mas seus olhos, ah, seus olhos!
Que tristes eles eram!
Tão tristes que destruíam qualquer esboço de sorriso
Que o resto do rosto pudesse esboçar
Tivesse mirado antes os olhos
Para que não tivesse destruído a todo o resto
Hoje eu vi um gordo
Um gordo bem gordo
Passava de cento e sessenta
Peitoral enorme, ombros largos
Cabelos lisos e compridos, pele morena
Levava uma mochila no colo, tão pequena
Imaginei que dentro dela levava um ukulele...
Não! Levava um cavaco
Não queremos imitar aquele outro gordo havaiano
Seu rosto macio, boca pequena
Imaginei aquele rosto se moldando num sorriso carinhoso
Não consegui
Por mais que tentasse, só imaginava a tristeza ali
Tirava notas tristes de seu cavaco
Contava trovas das primeiras décadas do samba
Que faziam os morros chorarem e meu coração sangrar
Hoje eu vi uma preta
Uma preta tão preta
Pretos seus olhos e seus cabelos
E também o saco que carregava
Era uma preta fazedora de bonecos
Bonecos pretos, tão pretos quanto a preta
Todos enfiados no saco preto daquela preta
Bonecos dos mais variados tipos
Dentistas, malabaristas, professores, músicos
Além de pretos, todos sorriam felizes
Mas a preta! Ah, a preta!
Que olhar triste tinha aquela preta
Cabisbaixa, metida naquele pano em volta de sua cabeça
Hoje eu me olhei no espelho
Esbocei um sorriso
Mas tudo o que eu vi foi tristeza
Então percebi
Que tudo vai ser sempre triste
Sempre foi triste
Sempre vai ser triste
Porque eu sou uma pessoa triste
E não há alegria que possa me mudar