Para certos poetas
Certos poemas me deixam tão triste, tão saudoso
que penso em largar a pena para toda eternidade
trocar os impulsos pela plenitude da estabilidade
quem sabe deserdar os versos de modo respeitoso
Há quem diga que a amizade é uma bela lenda
que há algo de inatingível na idéia que se tem
provavelmente não é só nós os que entendem
as tais letras sem caligrafia de nossa contenda
As pessoas falam sempre dos seus vastos amores
fico a olhar meu passado, vejo as tantas vezes
que gastei a lingua molamba em secos dizeres
que explicava um doer sem eu sentir sequer dores
Para que fui pintar os meus horizontes com brilhantes cores
para ter que ir manchar tudo com a água de um longo choro
despir-me por completo, rasgar até mesmo o meu sujo coro?
Tudo para justificar a grande insanidade dos meus louvores
Passa por aqui um outro casal a se abraçar, inevitavelmente
começo a questionar se algum dia eu acharei por sorte pura
uma alma feminina que cometa, por livre vontade, a loucura
de amar todo este meu ser, por várias vezes louco e doente
Por mais que eu ainda tente ir racionalizar tudo que reflita
tenho um medo tremendo desta minha capacidade maldita
de influenciar mentes sadias a cacofonia filosófica do niilismo
que alguém vá algum dia ler, nas entrelinhas dos meus poemas,
a mentira esculpida de que a única solução de alguns problemas
é o suicidio, e achar no meu livro o mapa apontando seu abismo!
Sim, porque só o Mestre Divino tem ciência, e só ele somente
das várias vezes angustiantes quando tive o enorme desprazer
de pensar em uma idéia gloriosa em minha tão confusa mente
e achar que seu vocabulário não é vasto o bastante para dizer
Pior é quando óculos invertem suas lentes e, sob o novo prisma
vejo aniversariantes ainda na preciosa era juvenil de um infante
chorando lágrimas maiores que aquelas do vulto que vai errante
e a bizarrice dessa minha inversão muito claramente me abisma
Dei um discurso para minha sombra, completamente sem saber
falei: "este é o traje luxuoso do rei" ao erguer alguns trapos imundos
liguei meu ventilador que nunca usei e disse: "assim giram os mundos,
são felizes os vagabundos e esta dor que sinto deve ser o prazer"
Não me entendo por completo: tenho camadas, sei que sou complexo
mesmo quando o pensamento que penso não parece ter o menor nexo
a Poesia é uma tradutora universal que em me traduzir ainda insiste
vou ansioso na nau da mente à descoberta: descubro mar de lágrimas
tomo ciência de que até mesmo um príncipe tem cicatrizes de esgrimas
poeta tem ferida que anatomista não vê. Há poemas que faz-me triste