Inevitável
As palavras não estavam lá mas,
o branco da cegueira profunda
e a luz intensa e difusa
diluindo minhas idéias
estavam
As palavras não estavam lá
haviam paredes inteiras construídas
de solidão e angústia.
Havia o cárcere da loucura,
havia a respiração ofegante
a sorver com culpa
todo oxigênio
Pensei naqueles
que não podem falar
pensei nos
que não podem ouvir,
nos que não podem ver,
tocar
e nem sentir nada
Os que não mais respiram.
Não porque sejam diferentes
é, pior...
são apenas indiferentes
desumanamente vazios
rotos e
esfarrapados
entre traumas e violências
Morreram sem qualquer resistência
Pacificamente.
Deficiente,
demente e
engessado
dentro da estrela cadente
a cair
em abismos semânticos
E, ainda assim
as palavras não estavam lá.
Amanheceu
e, não ouvi sua voz,
não via sua face,
não enxergava
nem o amor
e nem o ódio
nem a piedade
e nem misericórdia
Nem as palavras
num bilhete,
nem os acenos insanos
dos passantes
Nem o cheiro de suor
ou de latrina.
Tudo era tão asséptico,
tão limpo,
misteriosamente neutro,
e complacente
como o som de violino
a rasgar lentamente o silêncio
e corromper a lágrima.
E contamina tudo arredor.
Não chore.
Não diga adeus.
Não olhe para trás.
Pois o tempo muda tudo,
o tempo todo,
e, ontem não existiu
hoje é uma ilusão onírica
que acaba irremediavelmente
amanhã.
Daqui há pouco.
E, ainda assim,
não adiantou a espera e
a saudade.
As palavras não vieram
jamais partiram,
simplesmente não vieram
Já é dia e
a lógica não chegou,
a metafísica não permitiu
a levitação dos espíritos
a ética não
deixou vestígios dos corpos
Tudo é guerra
uns perdem,
ou todos perdem
inexoravelmente
mas nem todos percebem
e as palavras não remediam
as coisas.
As palavras só chegam
pelo inevitável da poesia.