Noturno

Escrever n' amplidão da noite escura, fria...

Quando todo o meu siso se vai na agonia

e não cessa jamais de pedir, por favor,

que o Destino te traga o mais cândido amor;

quando os pássaros findam o cantar diurno

e a coruja revoa com olhar soturno;

quando o álcool me domina lucidez e a mente,

que agoniza no bar com compungir silente

dos dementes e sôfregos; e quando oscila

todo absorto entre o bem e o mal: penso e' imprimi-la,

ó tristeza perene! Que se refugia

em meu peito com cética e hostil covardia.

Penso, crente, que a boa esperança trará

para mim o cantar do belo sabiá.

Porem tudo que surge a mim à escuridão

é uma tão melancólica - aff! - inspiração!

E, comigo, então, tenho um diálogo louco

onde tu me apareces assim como há pouco

(ou será que perdi minha própria noção

do tempo, onde, afastados, eu sofri, ó paixão?).

Sorrindo abertamente e me abraçando, terna:

- Nossa! - Tu me dizias co' euforia interna,

externa... - Que saudade que eu senti, amor!

Dando-me um beijo bom que expressava o fervor,

a paixão feminina que tanto busquei:

- Não faças mais assim. Dizia como um rei

cheio de concubinas para lhe servir

em todos os momentos entre vir e de ir,

prantear, de festins sem motivos (e tantos)

esquecidos, perdidos no tempo, em quebrantos...

- Os teus beijos gostosos me causam negócio...

Eu me sentia em nuvens, e tendo por ócio

tua meiguice terna que me acalentava

na noite friorenta que muito geava.

Mas, parece que a dor que angustia e que aflige

o meu peito, conduz sempre a mim e dirige-

-se para o próprio fim; e eu sou a cobaia

arrastada atrozmente com escárnio e vaia

ao mostrar a verdade enfática da cena:

eu, sozinho, inventando este meu teorema:

- Eu te amo tanto, amor! Chega padeço assaz.

Digo-te no pensar. - Não vês que a minha paz

é no fúnebre, mórbido, indelével breu

e que o meu pensamento ainda é todo teu?

Tu me fitas pesando as tais palavras ditas

e pensas... e repensas dizendo: - Reflita:

"Eu já não lhe amo mais." E em teus olhos eu vejo o

desafeto, desdém, a falta de desejo

e esta veracidade que muito atormenta

a minha alma que anela a tal paixão sedenta.

Então, cerro as mandíbulas e fecho os punhos

como alguém que cogita em murro, em rascunhos

coléricos no siso maldoso e perverso;

mas tudo que planejo e busco sempre é o inverso:

a escuridão, silêncio, a solidão funesta,

o flagelo inefável igual a uma besta;

porque de ti eu sou um devoto confesso

à escuridão embalsamada em fino gesso...

Que apodreça escondido aquele Las perdices

comprado por eu crer em mil idiotices,

quando à tardinha vinha ainda me mostrando

a vagareza fúnebre de quando em quando

me traria, por fases, gradativamente,

esta dor infinita na alcova silente.

Quando a manhã surgir radiante para o mundo

estarei acordado co' o meu olho fundo,

o olhar cansado, lânguido, todo abatido...

E todos olharão meu coração dorido;

procurarei o canto mais lúgubre e escuro

para que ninguém veja este meu apuro.

Enquanto esta hora baça não passa, linda

(hora de noite e noite que nunca se finda)

não me peças sorrisos e piadas cômicas,

porque eu sou Nagazaki e Hiroshima co' atômicas

pós-guerra. Destruíram meu coração langue

e só o Shinru que sabe do meu pranto em sangue,

escorrendo no tálamo meu (de ninguém).

Só queria um abraço amoroso meu bem.

Passe tempo maldito! Que a cova me espera!...

E lá na escuridão ficarei como agora

dialogando, só, numa infiel quimera

que espera a tua luz, ó formosa senhora

que me deixa confuso entre a dor e a paixão,

entre o amor e a tristeza desta solidão

que leva a minha luz e a alegria empenhora.

13/10/2010 00h53

Cairo Pereira
Enviado por Cairo Pereira em 18/10/2011
Reeditado em 09/04/2013
Código do texto: T3283755
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