A Ovelha Bastarda

A última sinfonia entoada pelas árvores no crepúsculo

Das arritmias de minha alma com os pulsos sangrando,

E tudo o que senti, vi, procurei, quis, passa ofuscando

Em um efêmero segundo nas retinas antes ávidas de viver; porém pulo

Em meu próprio auto-abismo, rendo-me enfim a navalha da Tristeza.

Queria antes disso ver pela última vez o sorriso da Inocência

Encarnados no rosto lírico que emana de meu sobrinho da Vida a beleza,

E que tanto busquei dentro de mim, no mundo, e no âmago da Ciência.

Clamam a mim em todos os meus átomos os múltiplos olhares

De todos os cadáveres, abrindo as portas do Desconhecido

Para o Cosmo metafísico, e das personas em quem eu poderia ter sido;

_ “Bem-Vindo Irmão”, saúda-me a Morte aspergindo os mares

Eternos das decomposições, dos rios de vermes, no fogo eterno do esquecimento

Onde meu ser abraçou com tanto fervor, sede, volúpia e castidade o mundo e a vida,

E eu vago sozinho sem memória, sem corpo, sem esperanças no Hades, desprovida

A minha alma que sempre foi metafórica, vocabular, uma invenção do humano embrutecimento.

Não vos entristeçam pai e mãe com meus erros, pecados e minha ida definitiva;

Não procureis em vós mesmos, e nem no mundo, remorsos, culpados e ressentimentos;

Vós não necessitais buscar as causas e explicações para de meu ser os reais desmoronamentos,

Seis irmãos: lembrem-se de que dentro de vós alguma fagulha de mim permanecerá viva.

Os Lírios de nossa infância (meu genial e lindo irmão de 1982)

Ainda inebriavam com alegria o quintal, as aventuras, a antiga casa;

Éramos sim tão felizes, mas sou agora uma casca vazia, morta, sem asa;

E de tanto mergulhar em nossa infância, perdi-me do Hoje e de todo Depois.

Cantando, blasfemando, festejando de tão ébrio da Vida como seu maior adorador,

No barco de Caronte sigo rindo de Deus, de mim mesmo e dos divinizados Nadas;

Prostituí-me com o Inferno depois do divórcio da Vida com suas ciladas:

Ao me vender e me trair com um beijo e por duas moedas; eu: seu amante de tanto ardor.

A marca de Caim escrita com o sangue fraternal na fronte da bastarda ovelha,

Olvidada pelo Bom Pastor, e pelos deuses do humano aprisco;

Acolhida pelas mãos da Perdição, entregue as aflições e ao risco,

Pois nas tetas da razão e do empirismo evadiu-se das ilusões onde tudo há sua centelha.

Fiz da Morte e da Vida minha tragédia e meu drama quixotesco,

Onde usei máscaras, fiz amigos, chorei alegrias e orvalhei lágrimas;

Dói de antemão a ausência de novas músicas, outros livros, tudo o que é burlesco

Em nossas vidas, cujo amanhã estenderá uma outra mão para escrever rimas

Num outro contexto social, histórico, cultural, no mesmo ciclo repetitivo;

Onde meu corpo, minhas palavras, minha consciência se dissiparão no inaudito coração.

Um último gole a fim de que zombemos face-a-face o absurdo de tudo o que é vivo,

Ou o que é suposto como real, molecular, ou divino; risível e belo são os réquiens da criação.

Gilliard Alves Rodrigues

5h32min

21-09-11

Obs: Dedico este poema a minha família, e a pessoas que muito amo: Marília, Reginaldo, Paulo, Inácio, Shimada, Thayná.

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 21/09/2011
Reeditado em 21/09/2011
Código do texto: T3231891
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