Para você, Carlos
"E reajo_ nada exceto o querer: se quero, posso; e se posso, eu recomeço_ eu me defino como um ser capaz de recomeços! E o querer de uma formiga me basta. Fantasmas é que retornam _ eu recomeço!" (CRS)
Primavera silenciosa
pássaros mudos em galhos tortos
lágrimas secas em faces frias
feridas sempre abertas
amargo fel nas entranhas.
Me rouba o sorriso
me cala a palavra
me corta o grito ao meio
esta lembrança amarga
Engulo em seco
mergulho neste rio viscoso
de peixes rígidos
e a sombra da morte
se curva sobre a
beleza aparente
das cores
(primavera silenciosa, trecho, setembro de 2010)
PRIMAVERA PARA SOBREVIVENTES
Um ano depois daquela primavera
primavera silenciosa, amara
e ainda assim houve um poema
E hoje?
Qual poema ainda seria possível?
A primavera só existe para quem está realmente vivo
não para sobreviventes
Ainda assim
braçadas no desespero
de não ser engolida pelas águas
ah, eu que não sei nadar
escreverei talvez o poema
da primavera mais triste
que a das aves mortas
sobre os telhados envelhecidos
mais solitária porque as dores
estão tão velhas...
e nem mais lagos, mesmo rígidos
somente o silêncio e a não vida
Ainda assim escreverei um poema
da minha primavera
que resiste à morte
cavarei com as mãos até sangrarem
uma brecha no tempo
este meu tempo exílio
no alto desta torre
que me separa de tudo que fui
Primavera silenciosa que te foste
e ainda havia um grito cortado ao meio
uma dor de vida em andamento
uma raiva, um desencanto
uma nota repetida, som nos ouvidos
nem isto tenho agora!
Escreverei sim, outro poema
mais duro, mais toruturado
que se rasguem enfim todas as ilusões
e reste apenas o chão devastado
nele deitarei meus cansaços
e sonharei, ah, os sonhos
que sempre nos surpreendem
ainda que somente um tênue sopro
um sussurro de vento falando em vida
escreverei este poema para ti
que me lês além da palavra
que me desencavas
e exibes intacta, nítida
quando em ti me leio
e vejo confirmada
Um novo poema de uma nova primavera
descolorida, mais do que a outra
banal, sem surpresas, nem sustos
cartão postal amarelado
cenário esquizofrênico
reprise de filme barato
E ainda assim, escreverei
este poema da primavera em ruínas
que dentro de mim desmontei
e resisto ao medo, ao tédio, ao desamor
Escreverei este poema para ti
sem reservas, sem pudor
alma arreganhada, boca hirta
risada atrevida
recebe esta minha loucura
e vê que o poema saiu, ah
como um parto
assim me parto em duas , três
em várias, em almas párias
vem e me abraça sob o sol de setembro
e me conta as tuas histórias de
me fazer feliz, amigo
Vou te escrever este poema
para toda a tua vida
............................
Duvida?