Póstumas
Hoje é meu último dia de vida: o que farei nele?
Não estou brincando, isso é assunto sério
Estou internado neste hospital desde o dia onze
O médico já chamou minha família e explicou tudo: vou morrer
O tal doutor me deu exatos dois meses de vida e hoje o prazo vence
Essa doença me tomou por inteiro, não tem mais cura
Já não sinto minhas pernas, meus braços não me obedecem mais
As palavras são raras, mas o pior de tudo é que estou consciente
Já estou vendo, quase de olhos fechados a enfermeira com a morfina
Como eles mesmos dizem: é para doer menos, sofrer menos
Está passando um imenso filme na minha cabeça
Eu vejo tudo o que fiz e o que não fiz nesta vida curta demais
Estou me vendo na escola, com sete anos de idade tomando merenda
Consigo ver-me com minha primeira namorada, a Estela
Meu filho acabou de nascer, parece uma bolinha nas minhas mãos
Minha esposa falecendo de complicações
Eu vejo meus dois netinhos correndo pela casa, fazendo algazarra
Espere, as visões estão se apagando, meu corpo está parando
Vou gritar à enfermeira, mas minha voz não sai
Meus familiares não vieram mais me visitar, o que farei?
To sentindo um apagão dentro de mim, vixi, tem muito médico aqui
Estão me dando uns socos no peito, mas nem estou sentindo mais
Ligaram aquela máquina de choque, nem me faz cóssegas
Agora jogaram um pano sobre mim, será que eu morri?
Me levaram para uma salinha nos fundos, tá muito frio aqui
Espere, estão me colocando numa caixa de madeira dura
Agora tem umas pessoas me olhando deitado, algumas choram
Estão fechando a tal caixa de madeira, para onde vão me levar?
Me jogaram num buraco, feito um chinelo velho
Estão me cobrindo de barro, por acaso vão me plantar?
Agora está tudo muito quieto, quieto até demais
É, acho que agora eu morri mesmo, acabou