Recordo-me.

Lembra das noites de natal que eu corria com medo dos fogos de artifício? Você me dizia pra não temer e que logo acabaria. O que me restava era o cheiro da pólvora, eu sentia até o gosto e o rangir de pequenas pedrinhas entre meus dentes de leite.

Lembra das fotos tiradas de cima da casa velha? O sol aquela tarde ardia tanto... E você nem me penteou pra que eu saísse bonita.

E assistir televisão naquela época era um prazer inestimável...!

Lembra daquela mulher que carregava muitos papéis na garagem e que ficava me olhando torto? Detesto-a até hoje.

Ah é! Teve aquela vez que acabou tudo e a vez que quase tudo recomeçou.

Se lembra também quando foi que ficamos amigos e dos nossos musicais noturnos hein?

Se lembra quando você me deixou no meio da crueldade do mundo pra eu aprender a ser EU de verdade?

E das reuniões nas tardes de domingo?

E dos choros, abraços, tristezas, alegrias, quase-reconciliações...

Do não ligar depois que prometia e nem aparecer para dar justificativas.

E da minha pessoa, você se recorda? Porque é com pesar que me recordo todos os dias dos seus olhos verdes quase avermelhados.

É culpa sua todos os dias eu observar tudo e nunca esquecer, nunca.

[...]

Lembra do gosto de pólvora?