O QUE MAIS DÓI NA VIDA

O que mais dói na vida não é ver-se

Mal pago um benefício,

Nem ouvir dura voz dos que nos devem

Agradecidos votos,

Nem ter as mãos mordidas pelo ingrato,

Que as devera beijar!

Não! o que mais dói não é do mundo

A sangrenta calúnia,

Nem ver como s'infama a ação mais nobre,

Os motivos mais justos,

Nem como se deslustra o melhor feito,

A mais alta façanha!

Não! o que mais dói não é sentir-se

As mãos dum ente amado

Nos espasmos da morte resfriadas,

E os olhos que se turvam,

E os membros que entorpecem pouco e pouco,

E o rosto que descora!

Não! não é ouvir daqueles lábios,

Doces, tristes, compassivas,

Sobre o funéreo leito soluçadas

As palavras amigas,

Que tanto custa ouvir, que lembram tanto,

Que não s'esquecem nunca!

Não! não são as queixas amargadas

No triunfar da morte;

Que, se se apaga a luz da vida escassa,

Mais viva a luz rutila;

Luz da fé que não morre, luz que espanca

As trevas do sepulcro.

O que dói, mas de dor que não tem cura,

O que aflige, o que mata,

Mas de aflição cruel, de morte amara,

É morrermos em vida

No peito da mulher que idolatramos,

No coração do amigo!

Amizade e amor! — laço de flores,

Que prende um breve instante

O ligeiro batel à curva margem

De terra hospitaleira;

Com tanto amor se enastra, e tão depressa,

E tão fácil se rompe!

À mais ligeira ondulação dos mares,

Ao mais ligeiro sopro

Da viração — destrançam-se as grinaldas;

O baixel se afasta,

Veleja, foge, até que em plaga estranha

Naufragado soçobre!

Talvez permite Deus que tão depressa

Estes laços se rompam,

Por que nos pese o mundo, e os seus enganos

Mais sem custo deixemos:

Sem custo assim a brisa arrasta a planta,

Que jaz solta na terra!

Conde Diego O Poeta
Enviado por Conde Diego O Poeta em 29/07/2011
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