Eu Poeta
NOTURNO
Malditos pensamentos que não chegam a ti!...
Funesto desencontro no qual me sucumbi!
As forças absolutas que dominam meu ser
são as mesmas que querem ver o meu fenecer;
os montões de pessoas vagando aqui no trem
são os seres que sofrem na escuridão também;
são iguais ao poeta (mas sem o dom poético).
Por que Deus, do alto Trono, olhou pra mim – homem cético
e me deu este dom ao qual me perco nos prantos
solitários, noturnos, sem fanais e amarantos?
É que tudo ao redor parece grande demais,
eu, barquinho de folha em meio aos vendavais.
Procurei ser um homem esquecido de tudo:
das flores do jardim, o tão mimoso e peludo
gato frívolo assaz que só procura carinho,
enquanto o dono dá-lhe o bom conforto do ninho,
flores primaveris que eclodem belas pra nós
observarmos calados, sem ruídos de voz,
a mulher que palpita o coração com desejo
de se dar radiante na ternura do beijo,
a formosa ave que, voando canta pra todos:
Mudos, surdos, insanos, cegos, vãos em mil lodos,
assassinos cruéis, perversos seres da treva
que destroem a cândida flor, semente de Eva...
Procurei esquecer, mas para mim foi inútil
e ainda assim por muitos fui chamado de fútil.
Desgostei-me dos mundos dos homens e fiz os meus
de versos tristes, lúdicos que somente Deus
pode entender o insano que poetiza assim
entre a melancolia e o desconexo sem sim.
Mas, eu fico parado, pensativo demais,
sonhando com o colo terno que me dá paz...
E esses meus pensamentos voam lá para o além
procurando refúgio no regaço alguém.