DECLARAÇÃO DE AMOR

DECLARAÇÃO DE AMOR

Porque alimenta a boca que lhe morde,

Eu amo esse leal cachorro quente;

O outro au-au balança o falso rabo

E abocanha a perna da gente.

Descobrindo segredos fictícios,

Eu amo a notícia improcedente.

Jornal fantasma e dissimulado,

De nossas fraudes sendo conivente.

Eu amo a árida e áspera ama-seca

E o serviçal intransigente,

Servindo com leal descortesia

Ao seu patrão gaiato e impenitente.

Eu amo a sofrida dor de dente

Que nos ataca como um diluente,

Fazendo esquecer por um instante

A verdadeira dor que a gente sente.

Eu amo o louco que se vê na rua

Com sua insanidade indigente,

Porque é retrato em preto, branco e fusco

De nossa essência vulgar e demente.

Eu amo a forma bacteriana

Do protozoário que é meu parente.

Desde os primórdios da matéria bruta

Esmera a vida como concorrente.

Eu amo o triste e grave arrebol

Com o sobrecéu azul deficiente

Nas horas mortas de um dia torpe

E toda aflição adjacente.

Eu amo a pedra, o cal e o cimento

Que no meu túmulo estarão presentes,

Cobrindo com a sombra esvaecida

A inspiração e a vida imponentes.

Eu amo enfim meus nervos convulsivos,

O falso júbilo irreverente,

Reações de um ser que agoniza

E induz ao erro o subconsciente.

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Fábio Mozart
Enviado por Fábio Mozart em 16/06/2011
Código do texto: T3038050