DECLARAÇÃO DE AMOR
DECLARAÇÃO DE AMOR
Porque alimenta a boca que lhe morde,
Eu amo esse leal cachorro quente;
O outro au-au balança o falso rabo
E abocanha a perna da gente.
Descobrindo segredos fictícios,
Eu amo a notícia improcedente.
Jornal fantasma e dissimulado,
De nossas fraudes sendo conivente.
Eu amo a árida e áspera ama-seca
E o serviçal intransigente,
Servindo com leal descortesia
Ao seu patrão gaiato e impenitente.
Eu amo a sofrida dor de dente
Que nos ataca como um diluente,
Fazendo esquecer por um instante
A verdadeira dor que a gente sente.
Eu amo o louco que se vê na rua
Com sua insanidade indigente,
Porque é retrato em preto, branco e fusco
De nossa essência vulgar e demente.
Eu amo a forma bacteriana
Do protozoário que é meu parente.
Desde os primórdios da matéria bruta
Esmera a vida como concorrente.
Eu amo o triste e grave arrebol
Com o sobrecéu azul deficiente
Nas horas mortas de um dia torpe
E toda aflição adjacente.
Eu amo a pedra, o cal e o cimento
Que no meu túmulo estarão presentes,
Cobrindo com a sombra esvaecida
A inspiração e a vida imponentes.
Eu amo enfim meus nervos convulsivos,
O falso júbilo irreverente,
Reações de um ser que agoniza
E induz ao erro o subconsciente.
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