DESENCANTO

Meu quarto outrora,

Habitava sonhos encantados – hoje,

Pesadelos (sombras de sonhos não realizados)

São meus anfitriões, aguardando-me

No limiar do meu sono de desencanto.

Meus pensamentos, que outrora

Deslizavam audazes e intrépidos

Através de minha boca,

Hoje se recolhem e só viajam

Por suas confidentes estradas secretas.

O que me constitui transformou-se

Numa silenciosa montanha

Aguardando a passagem do tempo,

Na certeza de que forças ocultas corroem-lhe a base,

Preparando-lhe a queda final.

O que guardo de belo em mim

São flores de cacto na aridez

Do deserto em que me tornei,

Castigado por “fenômenos climáticos”

Das minhas experiências de vida.

O que ainda me alenta

É a possibilidade de ter sido inventado,

E vivido e sofrido e usado,

Por um engenhoso e mágico inventor

Que saiba e queira e recicle

Os farrapos que sobraram de mim,

Quiçá até queira dar brilho novo

À luz que outrora

Fulgurava em meus olhos

Manoel de Almeida
Enviado por Manoel de Almeida em 30/05/2011
Reeditado em 05/01/2014
Código do texto: T3002157
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