ÚLTIMA SENTENÇA

Um urubu pousou na minha sorte,

Como pousou na sorte de Augusto.

Desceu de chofre e me pregou um susto,

Calou a vida e me falou de morte.

O urubu, fazendo poesia

De sua mortuária substância,

Com asas podres cobre a distância

Que separou nosso caráter um dia.

Fosse Arquimedes, urubu frajola,

Cheio de rios e serras teixeiras,

Podendo agir de todas as maneiras,

Sem permissão, sem liberdade-esmola.

Se flamenguista fosse a mancha negra,

Faccioso e apaixonado,

Que traz no bico um convite alado

Alheação que a muita gente alegra

Depositando a alienação

Em consciência de caráter incerto.

Esse poema é um letreiro aberto,

Amassa o trigo e desfaz o pão.

Se o urubu pousou na minha sina

Sem condições de explicar-me nada,

Volúvel ave vil e alienada

Que o bom senso humilha e assassina.

Tocou de leve as águas da palavra

O urubu, membrana cancerosa,

Ave perdida, ave dolorosa

Que a alma assusta, arruína e escalavra.

Eu, portador de estranha doença,

Atraio assim esse urubu faminto,

Volátil ave, espantador retinto,

É pai e mãe de minha indiferença.

Ele me habita então como querença,

Uma afeição assim perniciosa,

Satisfação sutil e odiosa

Lavrando enfim a última sentença.

Fábio Mozart
Enviado por Fábio Mozart em 26/05/2011
Código do texto: T2994108