ÚLTIMA SENTENÇA
Um urubu pousou na minha sorte,
Como pousou na sorte de Augusto.
Desceu de chofre e me pregou um susto,
Calou a vida e me falou de morte.
O urubu, fazendo poesia
De sua mortuária substância,
Com asas podres cobre a distância
Que separou nosso caráter um dia.
Fosse Arquimedes, urubu frajola,
Cheio de rios e serras teixeiras,
Podendo agir de todas as maneiras,
Sem permissão, sem liberdade-esmola.
Se flamenguista fosse a mancha negra,
Faccioso e apaixonado,
Que traz no bico um convite alado
Alheação que a muita gente alegra
Depositando a alienação
Em consciência de caráter incerto.
Esse poema é um letreiro aberto,
Amassa o trigo e desfaz o pão.
Se o urubu pousou na minha sina
Sem condições de explicar-me nada,
Volúvel ave vil e alienada
Que o bom senso humilha e assassina.
Tocou de leve as águas da palavra
O urubu, membrana cancerosa,
Ave perdida, ave dolorosa
Que a alma assusta, arruína e escalavra.
Eu, portador de estranha doença,
Atraio assim esse urubu faminto,
Volátil ave, espantador retinto,
É pai e mãe de minha indiferença.
Ele me habita então como querença,
Uma afeição assim perniciosa,
Satisfação sutil e odiosa
Lavrando enfim a última sentença.