JARDIM FLORIDO (Miraflores & Mais)
MIRAFLORES I
Antigamente, havia no jardim
um pé de Sete-Léguas, trepadeira
de caule grosso, germinação certeira,
num dia a percorrer metros assim.
Mas a sombra que causava, dava fim
à brotação das plantas à sua beira,
ou plantadas a seus pés; era matreira
e até no esgoto se enfiava, enfim...
Por isso, foi preciso ser cortada,
o que me provou bom desagrado:
adorava ver o arbusto coroado,
de centenas de flores cor-de-rosa,
em sua floração esplendorosa,
que a muito poucas poderá ser comparada.
MIRAFLORES II
Vendo o jardim, nessa fotografia,
com outras plantas erguidas para o Sol,
enquanto a estátua ergue o seu farol:
Calíope, como a musa da poesia,
ausentes as flores rosa, em elegia,
sem outra planta a produzir um igual rol,
eu sinto ao coração fisgar de anzol,
nessa saudade da planta que existia...
Lembro-me bem quando lhe trouxe a muda
do muro de uma casa bem na esquina,
quando voltava para casa a pé...
Como cobriu a parede hoje desnuda
e só imagino qual estranha sina
teve essa flor que era e já não é...
MIRAFLORES III
Talvez nem fosse culpa dessa planta
essa raiz que no esgoto penetrou;
há pouco tempo outra raiz lá se encontrou,
seria ainda um resto que descanta?
A água a qualquer erva sempre imanta;
por um nastismo qualquer se apresentou.
pela fenda mais exígua se enfiou,
para crescer a um ponto que até espanta.
E é claro que entupiu esse banheiro
e foi preciso até o vaso sanitário
arrancar. E se quebrou. Outro comprou-se.
E a Sete-Léguas, que cortou o jardineiro,
lançada fora, em qualquer lixo ordinário,
talvez tenha crescido e restaurou-se...
MIRAFLORES IV
Recomendou o mesmo jardineiro
que só fosse plantada bem distante
de cano ou alicerce, doravante,
talvez na cerca à volta de um terreiro,
ou dividindo um de outro potreiro,
porque ela é rápida em seguir adiante,
demonstra um crescimento delirante,
ganha vigor e vida bem ligeiro...
Mas agora, ao olhar para o jardim,
eu lembro o brilho que vi nos olhos dela,
nessa noite em que primeiro trouxe a muda...
E quando ela a cortou, parte de mim,
também cortou-se, em relação a ela,
nessa ferida que a alma me desnuda!
CAJADOS SECOS I (8 FEV 11)
Porém devemos, como dizia Rousseau,
cada um cultivar o seu jardim...
Vamos plantar um renque de jasmim
onde no antanho a Sete-Léguas brotou...
A hemerocálide amarela se arrancou,
por um capricho qualquer ou qualquer fim.
Para plantar outras mudinhas, enfim,
que por outras, bem depressa, se trocou.
É inconstante a minha antiga amada,
de tantos anos já, só persistente
nesse amor que professa me sentir...
E que, às vezes, se apresenta doce fada,
mas em outras zangada ou indiferente,
sem me dar nunca certeza em como agir.
CAJADOS SECOS II
Mas, certamente, esse jardim é dela
e dele cuida sempre com carinho...
Já muitas vezes se feriu em espinho,
não obstante, constante se desvela.
Queria ter mais terra, essa donzela,
que tem mais de sessenta... Como o vinho,
que dizem ser melhor... Como o azevinho
que no Natal se pendura na janela
e que afirmam nos guardar felicidade
por quantos anos se puder guardar
essa guirlanda que foi então usada,
em um Natal de grande alacridade...
E que é melhor, talvez, fora jogar,
se essa reunião foi menos apreciada...
CAJADOS SECOS III
De qualquer modo, ela se encarregou,
há mais de quinze anos, do cuidado
desse jardim, com empenho dedicado
e os galhos secos sempre depenou...
Esses cajados que o tempo já murchou,
para renovos brotar do mesmo lado.
Talvez tenha razão, em seu pecado
de arrancar a Sete-Léguas, que espalhou,
em demasia, suas raízes e lianas.
(Agora está de férias e ameaça
que, em seu retorno, também irá cortar
a buganvílea, com bem furiosas ganas,
porque é espinhosa e sempre faz negaça
de em floração potente rebrotar...)
CAJADOS SECOS IV
Eu, por mim, conservava o pobre arbusto,
que não tem culpa de estar em mau lugar,
se bem que este, saiu ela a comprar
e, no final, eu nem arquei com o custo...
Mas eu sei que ela até feriu o busto,
ao se esforçar por tais galhos arrancar,
se o jardineiro custasse a vir podar:
chegou até a me causar um susto!...
Pois me mostrou no peito um arranhão,
provocado pelo galho, esse cajado
seco, talvez, na falta de outro espaço.
Mas, mesmo assim, me dói o coração,
vendo as brácteas vermelhas do meu lado,
por mais que seu volume seja escasso...
fendas escarlates I (8 fev 11)
da buganvílea o problema principal
é que não se deu bem em nossa terra:
alguma coisa que nosso solo encerra
impediu o seu progresso natural.
sua brotação nunca foi excepcional
como costuma ser, flores de guerra,
brácteas rubras... existe algo que emperra,
passaram anos sem mostrar sinal...
o que impediu que as folhas verdolengas
se transformassem em fendas escarlates?
ao mesmo tempo que outras rebrotavam,
lutando em violência, com pendengas,
até se pendurarem, em açafates,
que nas calçadas depois se derramavam...
fendas escarlates II
mas este pé cresceu forte e vigoroso,
alçando ramos bem direto ao céu;
suas folhas misturadas como véu,
ansiando pela luz do sol formoso...
mas as brácteas não vinham, dadivoso
que fosse o adubo e a água solta ao léu;
só brotavam os espinhos, feito arpéu,
e o rebento se espalhava, majestoso...
foram as brácteas surgindo lentamente,
em três pétalas de fendas escarlates,
com pequeninos botões amarelados...
porém nunca em abundância, mas somente
em alguns cachos, que logo, nos embates
do vento se prostravam, despencados...
fendas escarlates III
e até acredito que da sete-léguas o destino
foi mesmo em parte assim determinado:
a jardineira pensou que o esplendorado
vigor da trepadeira, ao sol a pino,
num crescimento de puro desatino,
a buganvílea tivesse amarfanhado:
que puxasse o vigor para o seu lado
e só lhe desse algum restolho fino...
foi-se assim a sete-léguas, arrancada;
bem que tentou rebrotar, vezes sem conta,
mas não lho permitiu a jardineira...
apesar de que eu pusesse flor rosada,
do lado de sua xícara, em que desponta
prova de amor, em carícia rotineira...
fendas escarlates IV
e agora, após expulsa a trepadeira,
o seu olhar na buganvílea prende,
de que a bráctea encarnada ainda não pende,
embora este ano tenha sido mais ligeira.
e assim se decidiu a jardineira,
que ao voltar de suas férias, em que acende
maior vigor, que ao clima não se rende,
cortar mandava a buganvílea inteira!...
mas das brácteas que vi, eu não me esqueço
e bem queria que não levasse avante
essa intenção de a pobre flor matar...
e, em minha compaixão, assim lhe peço,
(embora saiba que isto não adiante),
que conserve a buganvílea em seu lugar...