Esquecer...

Memória!

Maldita seja a memória!

Memória maldita!

Uma dama no passado

Foi meu amor tantas vezes

Aberto ao mundo que conheço

Em meus poemas.

Alma toda

E coração todo

Para ela,

Inefável ela,

Mais Deusa Do Amor

Do que a Deusa Afrodite,

Mais Santa Virgem

Do que a Santa Maria.

A Deusa revelou-se

A diabólica Lilith,

A Santa fez-se

A traiçoeira Dalila,

Eu me transfigurei

Em um bardo Orfeu

Sem a amada perdida Eurídice,

Preso ao Inferno,

Torturado pelo meu

Amigo Diabo

Em infernal crise.

Nenhum grito que dou,

As ruínas que recebo,

As quedas que conheço,

As trevas que me encobrem

Nas trevas que me acolhem,

A ela não me fazem jamais

Esquecer...

Memória!

Maldita seja a memória!

Memória maldita!

Outras damas no passado

Me atrevi a desejar,

Sonhos de paixão,

Arremates de sensualidade,

Fulgores febris de empolgação.

Incinerei-me na carne,

As brasas estão ainda

Em meu corpo,

Modelo virgem de solidão,

Ainda faminto,

Ainda pedinte,

Ainda pensante,

Ainda querendo amar

E ainda sendo jogado

Nos laços do nada amar.

Elas fugiam,

Elas fugiram,

Elas fogem,

Elas fugirão,

Sou como um monstro asqueroso,

Um reto resto de podre ser

Ignorado,

Rejeitado,

Desprezado,

Esquecível,

Esquecido.

Elas possuem este poder,

Um poder que nunca

Será do meu alcance,

O poder de me

Esquecer...

Memória!

Maldita seja a memória!

Memória maldita!

Damas muitas no passado,

Primaveris criaturas,

Deliciosas construções,

Verdadeiras realizações,

Supremas consagrações,

Ao longe,

Ao longe,

Ao longe,

Observadas pelos meus olhos tristes,

Que pena...;

Ambicionadas pela minha alma,

Que tortura!;

Postas em meu ser como pinturas,

Que infelicidade...

Tantas damas...

Tantas e tantas damas...

Tantas damas...

Tantas damas...

Ó,

Damas,

Por que correm para os braços

De outros cavalheiros?

Ó,

Damas,

Sou indigno de vossas almas?

Elas respondem com a alma,

A resposta,

A resposta,

Que a minha alma encontra:

Para os braços de outros cavalheiros

Elas sempre irão,

São mais dignos os braços deles

Do que os meus,

Mais afeitos às suas almas

Do que os meus...

Solto todas as minhas lágrimas,

Amigas lágrimas,

Às quais eu peço a glória

Da mais forte glória do

Esquecer...

Memória!

Maldita seja a memória!

Memória maldita!

Dama nenhuma no presente,

Quero-as distantes,

Quero-as muito distantes,

Do meu corpo maltratado,

Do meu coração estraçalhado,

Da minha mente abatida,

Da minha alma assassinada,

Do meu espírito danificado,

Do meu Eu mumificado.

Se há mesmo qualquer Deus,

Deus sem máscaras,

Deus sem rótulos,

Deus que não é vendido

Como o produto de uma feira,

Lanço a tal Deus agora

Um doloroso pedido,

Um grito aflito de clemência,

Um humilde pedido:

Afaste-as,

Afaste-as,

Afaste-as,

Que elas continuem

Distantes,

Não quero hipócritas cintilantes

Ou belezas inalcançáveis,

As mesmas desgraças

Do meu passado platônico.

Peço-Lhe para esquecer até o

Esquecer...

A memória!

A memória não apagou-se!

A memória aqui comigo!

A memória ainda comigo!

Deus me esqueceu!

A memória não me esqueceu!

A memória não me esquece!

A memória não me esquecerá!

Memória!

Maldita seja a memória!

Memória maldita!

Dama nenhuma no futuro,

Lacrado o túmulo

Da minha última forma

De encontrar felicidade,

Esta piada de fealdade

Contada pelos idiotas,

Contada pelos imbecis,

Que não existe,

Que não existiu,

Que não existirá

Em mim,

Em ti,

Em todos!

Se tu és um cavalheiro sem dama

Como eu,

Identificado com este poema

Detalhando o desastre puro

Que é o não-esquecer,

Abrace-me

E chore.

Se tu és uma dama sem cavalheiro,

Identificada com este poema

Tão ardorosamente escrito

Pela minha loucura por procurar

O esquecer,

Abrace-me

E chore.

Lestes minha alma,

Lestes meu espírito,

Lestes meu corpo,

Lestes meu coração,

Lestes minha mente,

Lestes meu Eu,

Cavalheiro que me

Abraça

E chora,

Dama que me

Abraça

E chora.

Uma bala nas têmporas

Atravessando...

Um corte bonito nos pulsos

Adotando...

O alto de um prédio

Chamando...

O alto de uma ponte

Atraindo...

São todos caminhos,

Os únicos entre muitos,

Para o

Esquecer...

Mesmo morto eu sei

Que não teria o

Esquecer...

Mesmo morto eu sei

Que não alcançaria o

Esquecer...

Morto estou desde o meu nascer

E é mais isto o que eu não vou

Esquecer...

Memória!

Maldita seja a memória!

Memória maldita!