David

Subiu febril a escadaria de pedra até à portada de pedra

e ficou a olhar o relevo demorando a vista com paciência de pedra,

o David aguardava de rabel e arco de pedra.

Achegou a mão tremente aos cruzados pés na pedra

e, súbito, um calafrio de pedra

ligou a sua carne com o infinito da pedra.

Tocou também o manto de pedra e as patas da águia de pedra

e a pedra falou-lhe como querendo deixar de ser pedra,

numa turva corrente como sendo vida de pedra.

Sentiu o cinzel maestro de tantos séculos de pedra

a polir a superfície pousando o bico na figura da pedra,

limando as arestas no magno rosto de pedra.

E a pedra era fria e queria aquecer na coluna de pedra.

E a mão ardente esfriava com palidez de pedra.

E a Lua alumiava a mortal palidez da pedra.

E a Lua era também de pedra.

Noite, praça da ourivesaria,

relevo do rei David à entrada da catedral,

Santiago de Compostela (Galiza)