a espera
Hoje uma palavra me esperava lá fora
Debaixo da chuva fina entremeada de vapor.
E, a palavra de súbito se tornava pólvora
a explodir significados,
a espalhar signos, cacos e restos.
Daquilo que foi um dia inteiro.
Nada ficou inteiro depois
A hecatombe foi avassaladora
Tudo se moveu, se transformou
Restaram prateleiras repletas de buracos e
ausências.
Fiquei mais pobre,
sem televisão
sem nenhum som
E, no silêncio profundo da solidão
A palavra quieta
permanecia lá fora a esperar
parecia ser paciente e sofrida.
Hoje choveu fino o dia inteiro
E mesmo a tímida borrasca
Era erosiva, úmida e destruidora
E, foi assim, que tudo aconteceu,
foi aos poucos
que tudo ruiu
Foi minando,
em progressão geométrica.
Sumindo,
Escorrendo ralo abaixo
Até enfim sumir completamente...
Sumiram sentimentos,
Pessoas, coisas e lembranças
Nem as fotografias me restaram
Não tenho mais a fotografia
De minha avó com minha filha miúda ainda
Perdi num furto insensato e injusto.
Hoje a palavra molambenta continua lá fora...
A pedir roupa nova,
Vida nova,
Linhas novas
e fotografias novas.
Rimas inovadoras ou requintadas
Requentadas no forno brando
Da tristeza sólida dos dias.
E das chuvas.
Hoje, sem essas lembranças
vivas
Ficaram apenas com meus flashes interiores
a esquadrinhar num rascunho
imagens flagradas em meio do abismo
do tempo.
Você quer saber da palavra lá fora, parada ?
Era apenas espera.