Ao amor inexistente

É capaz de não servirem de alimento

estas alinhas em prato branco

de porcelana.

Mas é que de quando em quando reparo

em que faço compra de soluços

para cozinhar desconsolos com nata.

Arrumo os medos nas gavetas

cada um por seu tamanho e peso,

e ponho a secar as queixas na corda do vento.

Na máquina de lavar

giram as báguas

com a palavra renunciar.

Varridos do tapete os pensamentos

que inopinadamente caíram, o pó

já não levantam das lembranças.

Na janela debruça-se um ferimento

pra ver o nada passar, que nada se passa

a não ser o arroz do pressentimento.

E se um dia me faltasses, como me faltas,

cadê a tomada, faliram

desesperos na geladeira do tempo.

Salaios adornaram a cama, e é

a manta mais grossa da pena

quem me guardara as noites de inverno.