Uma Lamúria do Tempo Perdido
E quantos livros não li
Quantas poesias não escrevi
Quantas serenatas não cantei
A quantas amadas que não deletei.
E quantas lágrimas não derramei.
Do tempo que, pouco a pouco
Esvaiu-se fluindo, constante rio,
Em meu inerente cio de criação.
De quantas noites olhando a miragem,
Letárgico ócio em sublimação.
De quantas noites sem paisagem,
No teto de meu quarto-solidão.
Alienado, inválido, assisti
Como platéia, nos camarotes embebidos
De melancolia e solidão, a peça bucólica,
A melodia inconstante de existir.
Anestesiado, estático, na desesperança
D'um fantasma. Intangível, invisível,
Apenas a vagar-parado, em sua maldição estática
De por nada passar, nada integrar e
Por nada ser concebido.
Mudo de alma auto-selada por insegura,
Repreendida por traumatizada.
Apenas peça estática, sublimada
Por medos passados pelos mesmos relógios.
Ah, tudo que poderia ter sido!
Tudo que poderia ter nascido das centelhas
Absortas que nunca viram a luz da superfície,
Nem nunca tiveram a chance
De violar um papel virgem.
Ah, o quanto poderia ter amado!
O quanto poderia ter me contagiado
Da doença que é amar como assassino e vítima.
No confuso jogo preferido
Desta tão pobre e rica humanidade falida.
O que poderia ter feito...
O que poderia ter criado...
E todos esses verbos configurados para o passado...
Porém tudo se esvai, e tudo se tornou cinzas.
Nada remanesceu a não ser este pobre lamento.
Esta pobre lamúria daquele que não viveu,
Apenas assistiu. Apenas fitou a obra de arte da qual
Tal desconsolado inane poderia ter feito parte.
Nada restou a não ser as memórias que nunca existiram.
Os sonhos das oportunidades declinadas, definhadas...
Das pobres epifanias abortadas. Apenas restaram
Sementes envelhecidas que nunca foram regadas.