Um natal diferente.

Era mais uma noite de natal, e, para mim, como sempre não seria diferente. Meus pais, desde pequena, me obrigavam a prostituir-me para conseguir algumas moedas ou notas para o sustento da família. Mas, por ser nova demais, apenas 9 anos de idade, poucos aceitavam meus serviços infanto-sexuais, que eram muito baratos. Tinha um ponto fixo, minha mãe o arranjara para mim. Era próximo a um semáforo. Ali passavam crianças indo à escola caminhando com seus pais felizes da vida. Mas, eu sempre ali, fixa naquele mesmo ponto. Estática. Quando chegava em casa sem nada, ficava sem comer e ainda apanhava por permitir que meus 5 irmãos passassem fome. Mamãe, como eu a chamava, dizia para mim que não queria que eles tivessem a mesma vida que a minha. Nunca fui e não sou respeitada por ninguém, nem por mim mesma. Mas, no dia do natal quando se pensa que tudo será diferente, nada muda ou mudou de fato. Ao contrário, piorou. Preocupado com o que minha família iria comer naquela noite especial, comprei alguns grumetes de frango para o jantar. Cheguei toda feliz, sorridente. Porém, minha mãe não se agradou, ela queria o dinheiro, -eu desconfiava que minha mãe era usuária de drogas por que de vez em quando encontrava restos de pó, agulhas, etc. Ela não concordava que eu gastasse o dinheiro. Então, sem mais nem menos expulsaram-me de casa, -uma casa simples, pequena, mas, meu único refúgio neste mundo estranho-, do jeito que estava. Sai correndo e chorando, a única coisa que consegui pegar foi uma caixinha de fósforos que estava sobre a mesa. Meu pai estava tão revoltado que atirava sobre mim tudo que estava ao seu alcance. Assim que atravessei a mureta que divide minha casa da rua, levei uma forte pancada na cabeça, por alguns minuts desorientei-me. Fora uma sandaliada que minha mãe me jogara, ofendendo-me com palavras vulgares, como ela sempre fez. Fiquei muito triste, mesmo sem entender por que tudo aquilo acontecia comigo, e ao longo da minha caminhada sem destino, questionava-me sobre o por que que isso acontecia, sendo que sempre fui uma ótimo filha, nunca dei dores de cabeça, ajudava nas finanças de casa, fazia o que me pediam. Ao longo do trajeto, via nas casas: alegria, amor, carinho, fartura, o que me deixava cada vez mais intrigada sobre o meu destino infortuno. Cansada parou de frente a uma bonita casa, cercada por enfeites brilhantes, com muros, jardim, e ficou estática diante de tanta beleza explícita. Resolveu então acenar para ver se alguem a ajudava, pelo menos com um prato de comida - já que não comia desde de manhã, e estava faminta. Ao longe avistou uma senhora muito simpática, de feições agradáveis que a olhava incessantemente. A menina ria -um riso singular, uníssono, nunca havia rido daquela maneira, era um sorriso de esperança-, a medida em que a senhora se aproximava. A senhora, vagarosamente, ia caminhando até a janela onde estava a menina faminta. E a menina angustiava-se para ser recepcionada o mais rápido possível. A senhora caminhava suavemente, para que ninguém percebesse que havia do outro lado da janela um impasse, um estorvo da felicidade. Então sem que ninguém notasse fechou a cortina que tampava a janela. Os convidados espantados perguntaram a senhora sobre o motivo pelo qual ela havia fechado a janela, ela mais que depressa respondeu: vi do outro lado da janela a essência da infelicidade, uma vida fria, amargurada e não queria que ela nos contagiasse. Os convidados aceitaram a justificativa e continuaram a servirem-se no banquete que estava sendo servido. Para a menina, agora, sua última solução para aquela noite fria era a inseparável caixinha de fósforos com apenas dois palitos dentro. Triste e desmotivada encaixou-se numa fenda que havia entre as duas casas visinhas, sentou-se e resolveu acender os fósforos para aquecer-se. Acendeu o primeiro, mas, um vento frio e repentino apagou aquela pequenina chama. Imediatamente acendeu o segundo, sentiu-se aquecida. Mas logo caiu uma gota de um dos telhados e consumiu aquele pequeno aquecedor. E lá ela ficou toda a noite. À medida em que aquela bela noite de natal ia mostrando sua exuberância, a temperatura reduzia-se mais ainda em relação ao seu estado natural. Conforme o tempo passava, a menina sentia-se esfacelando por dentro. Seus orgãos iam parando - um por um-, sua mente tornava-se cada vez mais irracional, seu tecido necrosava e não conseguia sentir mais nada do que estava acontecendo. Só tremia de frio e sentia fome. E, antes de permitir que a morte lhe possui-se por completo, riscou numa das paredes da frincha com um pequeno pedaço de tijolo que encontrara no chão, o desenho de uma família feliz, mas, com uma jovenzinha afastada do grupo -triste-, na verdade o gupo era sua família e a jovem era ela. E abaixo do desenho tinha um dizer: O destino vai de encontro com o merecimento de cada um. No dia seguinte, aquela senhora doce, gentil, com um sorriso terno, despedindo-se de seus convidados avistou lá no cantinho -bem no cantinho-, a menina encolhida e com os dois palitos de fósforo jogados no chão, sem ter sido consumido nem a metade.

Desesperou-se ao vê-la morta, congelada, seu tecido putrefato - devido a necrose-, apavorada exclamou:

- Meu Deus! Eu poderia...

p.s.: Sempre deixamos para outras ocasiões o que podemos fazer naquele exato instante.

alex alves
Enviado por alex alves em 13/10/2010
Reeditado em 14/10/2010
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