ESPANCAM MINHA VIRTUDE
Uma mulher ama um homem. Amor, só amor.
Um homem ama uma mulher. Amor, só amor.
Uma mulher engravida. Amor, só amor.
O tempo passa, barriga cresce. Amor, só amor.
Compras, berço, roupas. Amor, só amor.
A criança chega ao mundo. Amor, só amor.
Saúde. Paz. Felicidade. Alegria. Amor, só amor.
A criança engatinha. Amor, só amor.
A criança cresce, só sorrisos. Amor, só amor.
Colégio. Estudos. Satisfação. Amor, só amor.
É tão admirável ver a felicidade que
emana em todos da família. Amor, só amor.
A criança cresceu, quase é adolescente.
Então lembrei:
Estou a pensar as coisas que ouço, no
ônibus, na fila do banco, no supermercado,
a voz vizinha, até da minha tia, ouvi um dia
e custo a acreditar que o mundo assim
está, ao ouvir dei minha opinião e quase
levei um safanão.
Mães dizem:
- Bati mesmo e bato!
- Tem que apanhar para aprender!
- Comigo não tem conversa, é na pancadaria (p...)!
Fiquei a pensar e fiz um infeliz comentário,
que violência não há, existe o diálogo.
Por quê falei, o que tenho com a vida alheia?
- Diálogo? Isso não existe!
- Tem que apanhar para aprender a ter caráter.
Meu Deus, respondi com certo receio:
- Nunca apanhei e tenho caráter.
A resposta veio num tom grosseiro.
- Não apanhou, porque não precisou.
Preferi calar-me e pensar, que o meu criar
é tão diferente, trago no olhar, muito diálogo,
e, claro, castigos se for necessário.
Proibir cinema, TV, videogame, computador.
Praça com os amigos? Andar de bicicleta?
De skate? Praia? Shopping?
Celular? Nem pensar! Papo com amigas?
Sorvete, açaí, no verão tão quente?! Hum!
Saber dizer "não" com categoria, firmeza,
atitude no falar, no olhar.
Não consigo esquecer que ouvi tanta
selvageria, para quê tanta covardia?
Não entendo aconchego, que virou tormento.
Não entendo carinho, que virou maldade.
Não entendo sorrisos, que virou rancores.
Quando fico a ouvir tais relatos, só
penso que são pessoas mal amadas, que
nunca provaram o amargo do fel, que
não tem amor a si próprio, que não viveu
a vida no seu todo para compreender
o porquê da tamanha violência que pratica.
Por que avançar com ódio sobre corpos
tão seus, que vieram de dentro de si?
Não devem saber que nos hospitais tem
crianças e adolescentes, querendo
transplantes, agonizando a morte, com
tristes doenças, cadeiras de rodas,
querendo estar com a família, no seu
lar e essas pessoas desprezíveis ainda
falam de violência?
As crianças não pediram para vir ao
mundo, estão aqui com a permissão de
Deus; portanto, não entendo, não sei por
quê, sofro tanto por outrem, não devo,
mas meu coração não aguenta tanta
decepção ao ver esta indiferença.
Mas...não posso recriminar, apenas
indignar-me, não tenho que opinar sobre
a vida alheia. Cada um que se interrogue.
Veio a minha mente,
senti uma saudade de repente,
pergunto então caro leitor,
onde está o Amor, só amor?