Bazar de Ilusões
Um lençol bordado de incontida insatisfação enfeita a cama arrumada em que, à noite, deito-me abraçado, pensamentos revoltos, o corpo cansado, grudado ao surrado travesseiro de minha inseparável inadequação.
Trafegamos trôpegos, eu e minha insatisfação, a prospectar palavras-miragens, que dêem alento a apagadas imagens, enterradas em desertos de areia sem sentido, como versos insípidos, totalmente despidos de emoção.
Qual personagem de um confuso enredo, a saltar desajeitado, os obstáculos interpostos pelo medo, trazendo à Luz, como impudica noviça, em segredo, um poema bastardo, escrito por minha trêmula mão.
O véu conspícuo da noite acoberta o meu horrendo crime; ter o desplante de despejar nas ruas das ordeiras cidades, um libelo ácido, a denunciar a superficialidade, a ousar externar o que me deprime – escrever e agir divorciado dos ditames do coração.
Dá-me um imenso aperto na alma, desses que nos fazem perder a calma, pessoas de comportamento vazio, lavradores de sentimentos frios, fingidores de vida plena, a ostentar estandartes de falsos valores.
Defendendo com unhas e dentes, noções de vida inconsistente, ébrios de hipocrisia, a degustar da garrafa quase vazia, a cicuta que o vigor lhes amordaça, abstraindo de seus foscos olhares, quaisquer vestígios de amores.
A charneca em que chafurdam estes seres tristonhos, é desprovida de qualquer simulacro de sonhos, paraíso de pesadelos medonhos, a proteger em seus pútridos arredores, enclausurado em muros bisonhos, variegada gama de falsos pudores.
Pântanos pestilentos, silentes, ausentes de cores, taberna empesteada de dissabores, a conspurcar a beleza existente, calando pássaros canores com o entoar de seu desalento, espalhando aos quatro ventos mensagens pejadas de dores.
A acreditar-se em tais energúmenos, prostrar-nos-íamos exangues, eu e minha inadequação, abdicaríamos de nossa cruzada, como já muitos fizeram antes, dando prematuramente, impacientes, por cumprida a árida jornada
Nesta terra-de-ninguém, zona demasiadamente conflagrada, inóspita à sensibilidade, propícia à promiscuidade, ao faz de conta que está tudo bem; missão inaceitável prá quem não se adapta a meias-verdades, que vê o Amor como jóia grotescamente lapidada.
Portanto, engulo do mundo o espanto, deixando escoar a minha inadequação, pelas seteiras destes meus estranhos versos e, encarapitado no alto de meu bazar de ilusões, lanço aos ares o meu protesto, a esperar de meu amor um gesto que faça minha alma apaziguada.
Que dê mais perfume às flores, que torne menos íngremes os caminhos, que traga aos frutos mais sabores, que resgate a sensação de que a vida vale a pena, que confiança e carinho são alicerces inamovíveis, bastiões indiscutíveis de uma relação que se quer compartilhada.
Tenho sempre comigo a impressão de que, nós, seres humanos, ainda pouco sabemos do amor. A maioria quase absoluta de nós quer ser amado, pouco ou nada se importando, não tanto por maldade, mas por incapacidade afetiva, se ama a quem pede amor. Pessoas assim, quase sempre navegam num imenso oceano de baixa auto-estima, condição que não lhes permite ver o mundo de forma positiva, sempre desconfiando de tudo e de todos. Em minha opinião, o melhor caminho para se viver o Amor, é deixá-lo brotar, sem reservas, dentro de nós mesmos e, quando o Amor nos inundar, encontrará um outro rio de Amor para seguir em confluência rumo ao oceano da Harmonia.
Vale do Paraíba, manhã da primeira Quinta-Feira de Setembro de 2009
João Bosco (Aprendiz de poeta)