Bom dia, Tristeza

Bom dia, Tristeza. Notastes

que encontro-me ainda deitado?

Não sei se acaso escutastes

que não tinha te convidado!

Já queres prender-te a mim?

Deixa-me um pouco pensar

nessa alegria sem fim

de nunca poder te encontrar.

Deixa-me um pouco sonhar

que já não há mais solidão;

que o sol lá no céu a brilhar

alegra o meu coração.

Deixa-me um pouco falar,

contar com a imaginação

que trouxe a morena do mar

pra me curar do teu não.

Não quero mais que o intento

de olhar o campo florido

em busca de um novo alento

que sirva a quem foi esquecido.

Deixa-me um pouco invejar

as rosas desse jardim

que a chuva se põe a molhar

com alguns respingos em mim.

Deixa-me só pretender

ficar desejando as donzelas,

sem que eu tenha o poder

de me achar junto a elas.

Durma também mais um pouco,

dê-me de folga esse dia.

Quero viver como o louco

que morreu de alegria.

Quase que sempre te vejo

muda como a escuridão,

bem lá atrás no cortejo,

levando-me pela mão.

Tola não és, estou certo,

sabes que não te evito.

Mas, se estou sempre por perto,

é porque já não reflito.

Porém, tão grande é a certeza –

o que me dás, me deprime.

Quanto maior a tristeza,

mais sinto o peso do crime.

Julgo que nunca vou ter

todo o amor que pedi.

Mas te interessa saber

o quanto foi que sofri?

O quanto foi que chorei?

Tua função é sorrir

do pranto que derramei

e do prazer que perdi.

Tua risada é cruel

e o sabor, infortúnio.

Nunca que alcanço o céu

nem vejo o plenilúnio.

És a pior cascavel,

tão traiçoeira e mortal.

Tens na picada o fel

que inocula o mal.

Se olho tão verde a colina

e me acalmo o interior,

tu logo vens na surdina

trazendo o teu dissabor.

Teu vento só me ensina

como temer a verdade,

como temer a vacina

contra a pior tempestade.

Tua presença é o basalto

que não se quebra ou reduz.

Mas essa cor de asfalto

não dialoga com a luz.

Mas tu não vais, és a praga

da qual eu não sei me livrar.

Mesmo quem muito te paga

não sabe te derrotar.

Daí eu não te excluir

do meu viver, eu não posso,

por mais que eu tente implodir

ou destruir esse troço.

Teu namorado eterno

sou e até já pensei

em não ser mais subalterno,

porém um dia, o rei.

Rei da tristeza maldita,

rei e a sua rainha,

os dois na sua desdita

que eu não sabia que tinha.

Rio, 03/11/1965