O Breu e Eu

A noite está escura lá fora.

Mas é noite também dentro de mim.

Aqui a escuridão é bem mais densa,

mais pesada, mais espessa.

As lágrimas que rolaram pela minha face,

não iluminaram, apenas molharam a escuridão.

A noite está um tantinho fria lá fora.

Mas a noite aqui dentro é gelo puro.

Aqui o frio é bem mais cortante,

mais duro, mais angustiante.

As lágrimas que rolaram pela minha face

não aqueceram, apenas umedeceram o frio.

A noite lá fora está acompanhada de astros de luz.

Mas a noite aqui dentro tem a própria escuridão por companhia.

Aqui a solidão é bem mais sozinha,

mais solitária, mais daninha.

As lágrimas que rolaram pela minha face

não acompanharam, apenas contemplaram a solicitude dos astros por outras noites...

A noite lá fora tem as carícias do vento.

Mas a noite aqui dentro inda precisa de amor.

Aqui a carência é bem mais forte,

mais viva, mais morte.

As lágrimas que rolaram pela minha face

não me amaram, apenas manifestaram que preciso de amor.

A noite lá fora em breve terá um fim.

Mas sobre a noite aqui dentro não sei o que dizer...

Aqui a duração é bem mais durável,

mais intensa, mais interminável.

As lágrimas que rolaram pela minha face

não amanheceram, apenas avisaram que isso pode demorar.

A noite lá fora proporciona a possibilidade de descansar.

Mas a noite aqui dentro tem me cansado de viver.

Aqui o cansaço é bem mais que um fato,

mais farto, mais exausto.

As lágrimas que rolaram pela minha face

não descansaram, apenas traduziram um sofrido suor.

A noite lá fora coexiste comigo.

Mas a noite aqui dentro quer existir em mim, mas sem mim.

Aqui a existência é bem mais doída,

mais latejante, mais sofrida.

As lágrimas que rolaram pela minha face

não abrandaram, apenas marcaram esta face da minha existência.

A noite lá fora inspira poetas.

Mas a noite aqui dentro, só neste ponto, não quis ser diferente.

Aqui a inspiração é bem mais cruel,

mais amarga, mais pra fel...

As lágrimas que rolaram pela minha face

não adoçaram, apenas cobraram gratidão à arte que habita em mim,

que, fazendo sua poética parte

faz que me ocupe e que assim não me mate,

Dando-me sempre um artístico fim.