Naufrágio
Tudo afundando
Lentamente
Num mar de enigmas e silêncios
E sumindo, perdendo a forma
Contornando sinuosas curvas
Da imaginação
Tudo afundando
Em lama, em água
Infiltrando-se em sólidos
Insólitos
Pérfuros-contundentes
Cortando, molhando
Dispersando toda a essência
No mar de inquietude e
angústia
Tudo afundando de forma vertical e
Adernada
Solene e
progressivamente apagando-se
Do limiar do horizonte
O risco do arco-íris,
a promessa do cais aberto
Os punhos em riste
E, a palavra imaculada na garganta
Encravada na madrugada
Só a luz permanecera ali
A pairar sobre o mar,
soberana perante a lua e as vagas
Tudo afundando em sangue
Em vermelho pulsante
E coagulando
Escurecendo
Às vistas perdendo imagens
Como lágrimas
As vistas perdendo imagens
Num branco absurdo e opaco
No absurdo da luz no fim das trevas.
Tudo afundando
Em solidão e se perdendo em
retilíneas vertentes
E, quando as retas chegam ao infinito
Descobrimos com saudades
da geografia,
da etnia,
da melodia
encantada do naufrágio
lirismo imaginário das sereias,
da cor improvável das areias
da realidade encoberta de máscaras
de iniqüidade.
Tudo afundando no raso da tarde
Num copo d’água
A sede, o rancor e o porre.