À minha Dor
O relógio acusa três da madrugada
Os gatos boêmios brigam
Acima do telhado seus miados ferozes irrigam
No peito, a minha Dor coagulada
Meu rosto transfigurado em desespero
Afoga-se em grossos fios de lágrimas
Que emanam de minhas condições ínfimas
E respingam sobre meu desejo derradeiro
Numa convulsão que me conforta
Agarro-me na ponta dos dedos
Para não afundar no oceano dos medos
Que aos povos, batem a minha porta
Tomo um curto gole d’água
Que me desce o esôfago como serragem
Despertando minha fera selvagem
Presa aos grilhões da mágoa
Essa briga felina acima de mim
Aflora-me uma rebelião esquizofrênica
Consumindo numa dinâmica endotérmica
A minha fé quase no fim
Os estilhaços de minha alegria oca
Afundam numa descrença densa
Suscitando essa dor imensa
Cuja gargalhada me provoca
Mas de repente, sem motivação
Alguma passo a rir da minha Dor
E de súbito recobro meu ardor
Para lançar minha proclamação:
Ó Dor que me persegue
Eu superarei meu trauma,
E essa hemorragia na minha alma
Estancará, mesmo que não te negue!
Pois tu és um mero parasita
E eu é que sou teu hospedeiro
E se dos dias, este for meu derradeiro
Cessará essa condição que me irrita
A minha seiva apodrecerá
Meu cadáver te será improdutível
Você achará teu braço comestível
E no próprio sangue te afundará!