Heróica Rapsódia
I
Eu pude ver, calada nessa estrada,
Tua vaga perfeição sumir na tarde
Sonhei com tua matiz em toda e cada
Seleta comoção da tua vontade
Absorto e carecido de ser terno
Disparo contra luz que me levaste
O frio que, sem piedade, neste inverno
Também fez - me ficar sem piedade
E quando, por milagre, tu voltares
E o Sol, pulverizando seus cantares,
Chegar junto de ti na minha porta
Por mais que ora minh'alma assim te importe
Só não te pedirei, feliz, sua morte
Porque, desde que foste, ela está morta!
II
Oh! Fim que a tudo chega e em tudo é próprio
Meu vício foi querer - te o mais distante
Quis ter do pesadelo emocionante
De ver o teu carinho feito em ópio
Passar pelos meus vasos e, esquecido,
Gerar dor que não cessa desde o instante
Que o teu cheiro me invade num rompante
Teu cheiro de passado adormecido
Mas, Fim, quanto mais cedo tu vieres
Mais cedo esquecerei destes bons ares
E menos minha dor me importará...
Se nem meu grande Amor me teve pena
Então tu, de bondade tão pequena,
Irias minhas agruras aplacar?
III
Compus pequenos versos imperfeitos
Perdi - os na minha boca quando vi - te
Fugiram para baixo e, em nossos peitos,
Encheram nossas veias sem convite
Falei - te tudo assim, de qualquer jeito
Falei - te tudo assim, de um jeito triste
Deixei pra te contar meu verso eleito
No leito que, em teus braços, construíste
Eu lembro - me dos céus de nuvens gris
E do álgido perdão que em ti planava
Do abraço carinhoso que te quis
Tomar assim que foste - te de mim
Não quero nunca mais que a noite malva
se ponha em nossa tarde carmesim.
IV
Meu sonho começou, vens como a Aurora
Amáveis querumbins te rodeando
O brilho que lhes flui só cessa quando,
Curvados, veem o riso que te aflora
Meu lúrido luzir defronte o teu
Sem lume, esvai - se mais a cada hora
E, rútila, tua face me evapora
O medo que em tua boca se perdeu
Mas tudo é findo, agora não vens mais
É claro que o teu riso se desfaz
Ele era um diadema nos meus dias...
Que resta - nos? Só o bem que cada um fez
A ti, uma cura rápida, talvez
A mim, talvez as dores mais sombrias...
V
Estamos noutro mundo, um mundo cheio
De sol no val das noites setembrinas
Sementes silenciosas que eu semeio
São sempre o azul das flores nas colinas
Vivemos sempre assim, num mundo alheio
Libertos destas dores clandestinas
Meu sangue pulsa vivo como um veio
Aberto até as estrelas vespertinas
Meu olhar, antes translúcido vitral
Dilúculo carente em delusão,
Em ti, provou da luz celestial
E estar em ti só faz com que eu me lembre
Do azul das flores vivo pelo chão
Pairando em nossos passos para sempre.