CANTO DE DESPEDIDA

ELEGIA PÓSTUMA à esposa, que, há treze anos,

no dia 09/01/1997, desencarnou, depois de três anos

de um câncer devastador do colo do útero.

Nesta seqüência de poemas, entre outros, registrei

sua lenta e dolorosa despedida.

PLÁSTICA

Para Noêmia

Aproxima-te

do meu leito de dor

e passa teus dedos

por entre meus cabelos brancos

faze-me uma carícia;

faze-a como a brisa do mar

ampara meus passos trêmulos

quando estivermos na rua

fala-me de coisas lindas,

como outrora

e eu, por momentos,

esquecerei minha fadiga

e me sentirei,

como então,

inteiramente sua.

TORTURA

Para Noêmia

Compartilho n’alma

a dor/sofrimento

que te vinca o rosto

gera ferida profunda

a acre angústia da impotência

de minorar teu sofrimento

dores duras, aniquiladoras,

a tua – física;

dor moral, a minha

torturas:

progressiva moléstia

que não se apieda de ti

nenhum momento.

SÚPLICA

Em fins de novembro de 1996, durante o último internamento,

uma parada respiratória parecia ser o fim e, ajoelhado diante do

leito de hospital, escrevi:

meu nome é teu nome;

minha vida é a tua

quanto vale a vida

se em prantos se consome

a identidade de tantos anos?

deste-me o encanto da convivência

a luxúria de estar contigo

todos os momentos da vida;

deste-me a prole

que posterga nosso nome

e nos une mais e mais

e agora, queres partir?

para onde irás tão cedo

sem levar-me contigo

a brincar outras vidas?

meus momentos serão tão tristes

assistindo tua partida;

nem levas a bagagem convencional!

sei que tuas malas estão repletas

de amor, carinho, respeito pelo teu igual

aceita minha súplica – não te vás –

ou leva-me contigo

para as pradarias povoadas de paz

onde, então, estaremos juntos

juntos e jovens – eternamente.

N O Ê M I A

elegia póstuma

toda a (avançada?!?) medicina;

toda a fé e positivo pensamento;

toda a tua vontade de viver,

perdem hoje a batalha

para o terror negro do câncer

que te arrebatou dos meus braços

levas contigo o endosso

dos que te foram caros;

os créditos de um caráter reto e indulgente;

a certeza do cumprimento

de todas as etapas da vida

com a galhardia e a nobreza

daqueles que nada têm a temer

as dores insanas do corpo

e a despedida precoce

te fizeram lágrimas, bem sei,

compensadas, depois, com a visão

das pradarias amenas da eternidade

onde há felicidade e paz

ficou em mim o egocentrismo material

da errônea concepção humana da vida

e no vácuo do peito

o câncer da saudade

que me rói as entranhas

e ocupa todos os teus espaços.

Afonso Martini
Enviado por Afonso Martini em 09/01/2010
Reeditado em 09/01/2010
Código do texto: T2019161
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