Gritos entre grinaldas...

Tão grandes sonhos, eternos, juvenis

agora pisados, crivados de espinhos hostis

tamanha espera, d'aurora dos ventos

num asco e se finda, nasce meu tormento...

Quisera eu ser a santa alada

intocável e donzela

rosa, ainda desejada

em meu espelho manchado, Deméter perfumada...

Livrar-me, pura, dos grilhões amargos

qual estrela nua num céu de pecados

e estancar o sangue desta esponsal profana

ou morrer de amargura nesta aliança tirana...

Vem Deus, ouve meu clamor, meu grito

e livra-me o corpo e a alma deste fel maldito

se na mísera regra desta herança clássica

já não posso despir-me, rasgar estas amarras...

Vem Grandioso e Alto, trazer-me o véu da bonança

a branda e alva chave da esperança

lava e expurga-me inteira e casta

destas horas de mentiras e imundas desgraças...

E como lua num céu turvo, nublado

limpa e segrega-me deste pobre fardo

enxuga-me, cintilante, num sopro poente

adorna-me com jasmins e estrelas cadentes...

Que o olor deste desejo, tão somente

embriague-me de amor sereno

não deste amor impuro e negro

que eu guardo e trago qual rútilo veneno...

Se distante encontrar meu pranto de dor

não tardes, não ignores meus versos, Senhor

se deste veneno bebo e putrefo meus sonhos

neles hei de morrer, hão de ser meus danos...

Mas devoto está, aos Teus pés, o meu pranto

tão imensos e etéreos orvalhos de engano

da jovem pretérita, limpa e exila

todos os medos, segredos e as horas escritas...

Abençoa a esmo meus sonhos guardados

e aqueça-os no fogo do triunfo sagrado

quebranta as correntes e o negro passado

adorna entre flores o meu peito, ainda, imaculado...

Da devassidão da núpcia irremediada

destas falsas comunas armadas

livra-me e bendiga todas minhas lágrimas

faz-me única vez na vida uma mulher amada!

Anna Beatriz Figueiredo
Enviado por Anna Beatriz Figueiredo em 13/11/2009
Reeditado em 13/11/2009
Código do texto: T1920593
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