QUE PENA

Que pena!

Tiraram a pena do índio!

Tiraram a pena da índia!

Que pena!

Sem pena,

Vestiram roupa no índio!

Sem nenhuma pena,

Tamparam a vergonha, sem plumagem, da índia.

E, mesmo com a vergonha, sem plumagem, tampada,

A índia foi impiedosamente depenada.

Que pena!

O índio de roupa!

Que pena!

A índia sem pena!

Com pena de açoite,

Escreveram uma penosa história.

Merece uma severa pena,

Uma pena capital,

Os que tiraram a pena da índia!

Os que vestiram roupa no índio!

Os que depenaram a índia!

Os que penalizaram

Sem dó, sem pena,

Com uma tosca pena,

A sua memória.

Sem glória!

Que pena!

Só vai valer a pena,

Quando de novo,

Neste Mundo Novo,

O índio estiver novamente desnudo!

É noite!

A aldéia está serena,

Vendo TV/HD em tela plana!

Cacique dormiu!

Filtro dos sonhos girou!...

Sonhos numa noite plena!

Cacique sonhou

Que estava vestido apenas

Com um lindo cocar

De penas de arara azul!

E que índia também, somente com penas,

Penas ainda mais lindas!

Adornava seu lindo corpo.

Penas! Serenas! Pingentes!

Plenas! Curvas! Ondulantes!

Plumagens! Belas! Fascinantes!

Que linda cena!

Alucinante!

Como ganhar na mega sena!

Vibrante!

Como uma saudosa vitória do Senna!

Que linda cena!

Cacique, alegre, acena!

Sem pena!

Ergue sua viril lança,

Balança a pena!

E mira no alvo!

Aponta!

Para a índia sem plumagem!

Na rede balançando!...

Índia também faceira, ajeita o alvo!

Sem pena!

Embeleza a cena!

Sem nenhuma pena!

Somente com uma linda pena,

Segura a viril lança do Cacique,

Que se alegra com a cena.

Com destreza, Cacique lança a lança

Bem no meio do alvo, ventre a dentro!...

Lançada certeira no alvo sem plumagem...

A rede balança!

Pena prá lá! Lança prá cá!

Pena prá cá! Lança prá lá!

Penas prá todo lado!

Lança de todo jeito a furar!

Penas a voar!...

Rede a balançar!...

Lança no alvo bem cravada!

Índia alvejada! Delira! Toda molhada!

E depois, mesmo com a lança

Outrora viril, agora quebrada,

Vendo a índia bem depenada,

O Cacique, zonzo! Já fora de cena!

Leve igual à uma pena,

Na rede balançando,

Apenas geme! Abre os olhos!

Não acena!

Não há cena!

Que pena!

Céu estrelado!

Lua nova!

Agora há nova cena!

Que bela cena!

A índia linda sorri!...

Está leve como uma pena!

Cacique com as pernas bambas!

Cacique com a lança encolhida!

Cacique, agora, somente suspira:

_"Valeu a pena!"

O galo sacudiu as penas!

O galo cantou!

Cacique acordou!

Cacique da rede pulou!

Cacique viu que teve

Foi um sonho apenas.

Cacique triste! Cacique sem cena!

Que pena!

Cacique viu que estava vestido!

Cacique usava boné do Flamengo!

Pena de urubu!

Camisa do Brasil!

Pena de canário!

Calça da Nike!

Sem penas!

E tênis da Umbro!

Que pena!

Cacique também viu que índia

Vestia pano colorido!

Usava boné do Criança Esperança,

E calçava sandálias havaianas!

Sem ula ula!

Cacique ficou ainda mais triste!

Que pena!

Não tiveram pena!

Tiraram a pena do índio!

Tiraram a pena da índia!

Vestiram roupa no índio!

Calçaram sandálias havaianas na índia!

Tamparam a vergonha sem plumagem, da índia.

Depenaram sem pena!

Sem dó! Sem nenhuma pena,

A índia com a vergonha tampada,

Com um pano colorido,

Numa cena tropicalmente desavergonhada!

Corta! Corta a cena!

Cadê a pena?

Voou!...

Que pena!