infindo sono

Foi num momento de calma

na sala escura, recém recolhida a mesa

notícias desfiguradas a zombarem na TêVê.

Baixinho, a digestão amainava os sentidos

e a mãe, comodamente sentada,

a cabeça repousando no braço do canapé,

cobertas as pernas para não arrefecer,

a meu lado, dormia quase.

E foi de improviso, rapidamente,

que me ergui silente, precavida, cauta,

como esperto animal da floresta

para não acordá-la, sshhh!!!!

que quero ver,

para poder ver,

queria ver, ver, ver

aquele rosto dormido tão perto

de mim quanto do sono infindável.

E olhei-a de olhos fechados, tranquila

como o Sol quando bate na água do porto,

maçãs prominentes, um pouco magra,

abandonada a si mesma,

quase morta, indiferente, alheada.

E soube que volveria a ver aquela estampa,

que assim seria um dia talvez,

mais perto ela do infindo sono

do que de mim e dos meus sonhos.