ser um humano

Eu queria poder voar

alcançar a velocidade da luz

aterrissar em seus braços

entender como o funciona seu universo

aprender a jogar seu xadrez

soltar pipa com as crianças

jogar bola de gude atrás da igreja

tomar sorvete de casquinha

olhar pro céu e me sentir livre

ou algo parecido

mas a realidade me aprisiona

meus pés parecem cimentados

num concreto de sentimentos distorcidos

eu vivo a agonia dia e noite

escamoteando minha dor

inventando sorrisos falsos

Eu queria ser um pássaro

ter asas que me levassem ao seu encontro

entender o andar do tempo

a mente humana

aprender javanês e japonês

ler sânscrito e mandarim

te escrever poesias na neve

rolar na grama

dizer "eu te amo"

mas esse rodemoinho me traga

não sei nadar

sinto o afogar

preciso de uma bóia

procuro a luz do farol

a escuridão não me traz paz

não queria mais ser eu

não queria mais ter lembranças

Eu sou um anjo de asas quebradas

vago por esse mundo sem rumo

buscando uma bússola que me indique seu norte

um mapa que aponte sua localização

pra não mais me sentir assim sozinho

perdido num vagão de trem

sem conseguir ouvir as estações

as coisas deixaram de fazer sentido há muito tempo

o tempo não volta atrás

não posso retroceder os ponteiros

só quero olhar mais uma vez o seu sorriso

saber que está tudo bem com você

e depois partir para terras distantes

uma despedida nunca é fácil

mais difícil é viver assim

essa sobrevida que não reconheço

esse reflexo estranho no espelho

essa ferida que não quer curar

é tão difícil ser um humano