Fantasma
Acordo com o barulho de sinos,
acordes metálicos em ouvidos surdos,
vem da rua o som dos carros,
trânsito de velocidades indiferentes,
da janela adentra um sol sem cor,
o calor congelado por palavras não-ditas,
o teto parece tão distante,
uma dimensão desconhecida flutuante,
não consigo tocar o céu de estrelas,
estou tão longe para me agarrar a qualquer coisa,
fechado em um quarto sem portas,
na escuridão sem nebulosas no universo de asteróides,
afastado da sobriedade de dias normais,
enebriado por incensos de canela e anis,
sonhando delírios de um tempo perdido,
com sombras em cavernas sem paredes,
esmurrando minhas dores num saco de areia,
como um boxeador derrotado em suas lutas,
gritando ao silêncio uma voz inexistente,
a agonia de um espírito conturbado,
chorando lágrimas sem gosto de sal,
deixando o desespero percorrer minhas veias,
entorpecendo sentimentos trancados,
caminhando sobre minhas próprias brasas,
queimando o restilho de pólvora até meu coração,
olhando para o nada quando tudo desmorona,
ruínas de um cérebro em curto-circuito,
precisando de açoite para sentir-me pior,
escondendo-me da luz prometida aos pecadores,
renegando perdões em piedades cristãs,
acorrentado em minha própria condenação,
cobrando a dívida não paga de encarnações futuras,
selando uma guerra contra mim mesmo,
abandonando-me na chuva de farpas cortantes,
num último suspiro sem esperança,
quando só subsistem fantasmas sem medo,
assombrando prédios em demolição,
aguardando o dia do nunca findar...