A COR DO VÁCUO

Como se contemplasse uma paisagem impalpável,

Testemunho recorrentemente

O ocaso e o desassossego dos sóis humanos:

Ainda hospedados na nave d’aurora;

A meio caminho do limite da estrada

Sombria, pérfida e sinuosa;

Dando passos cautelosos, breves

Sobre a obliqua corda bamba

Da falcifórmica alegria,

Cuja sina é ser o corpo

Que sempre tomba

Muito antes de chegar

Á fonte da água cristalina.

A mais pura verdade

É que a flor da inocência

Mal eclode, desabrocha, prospera;

Já sofre voz de prisão

E passa sua vida ----

Que, na gestação,

Emitia uma luz

Tão impávida, ígnea ---

Numa empedernida cela:

Solitária, sádica,

Faca a esventrar

Inclementemente

As vísceras da mental aquarela.

Ah, a onipotência da crueza

É uma força inexorável:

Ela desfila pelas passarelas da guerra;

Ela se alimenta de almas errantes, erráticas, crédulas;

Ela se transforma continuamente

Nos habitacionais carcinomas da selva de pedra.

Ah, a miséria humana

Ah, a sede por vidas etéreas

Sôfrega e celeremente

Apodera-se da nossa chama e medra soberana.

E depois,

A paisagem do vácuo

É o que unicamente sobra:

Não há mente

Não há verve

Não há lembranças nem versos de protesto

E de paixão.

O que vive é um corpo:

Um corpo

Que não ama, não pensa.

Um corpo

Que não sente dor, desejo,

Brisa, luto ou tampouco saboreia a vida.

O que vive,

Finalmente,

É uma matéria

Que apenas anda

E ocupa lugar

Sob a imensidão

Da atmosfera da Terra.

JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA