As Grades da Melancolia
 
Rendeu-se ao acaso dos acontecimentos.
Já não tinha forças para resistir.
Sempre ativo, já não suportando a própria vontade,
a contragosto fez-se passivo.
E não concordando com o rumo das coisas,
ainda assim sentiu-se fraco para evitá-lo.
E ao contradizer sua consciência,
toda a aflição do íntimo conflito,
a sensação de ínfimo.
E no transbordar das emoções violentas e irrealizadas,
o construir das muitas mágoas.
Sentir, então, que o colorido da vida desaparece,
perceber que o brilho de tudo se apaga.
Vendo-se mergulhado num tom cheio de indiferença,
vendo-se numa cinzenta melancolia.
Adotando enorme neutralidade
que o impedia de se fazer individualidade
em meio aos outros.
A vida, entretanto, o cercava da mesma forma 
que antes, era ele a dissonante existência.
Mais certo seria identificá-lo como inexistente,
uma espécie de vazio teimoso e incômodo.
Centro de si, centro de tudo ou centro de nada.
Um jogo de perdição da própria identidade.
Que fazer se a nulidade evita possíveis conflitos,
mas também anestesia a capacidade de viver?
Atônito, escravo de profunda timidez,
acua-se a seu canto, teme os olhares que o perfuram.
Cheio de uma suposta e inexistente simplicidade,
verifica-se em verdade complexo e denso.
Por fim, esbarra na autocompaixão e se revolta contra adversário que não consegue identificar.
Coloca-se na condição de vítima
e tem raiva de assumir tal papel,
indigna-se em rebelião.
O nascedouro de uma agressividade latente,
de um fato ativo a desequilibrar a falsa harmonia.
Em meio a face de feições apagadas,
por entre as peculiaridades que estavam escondidas,
emoções desconexas abordam a apatia,
uma lagoa de águas paradas invadida por correnteza.
Como coordenar-se ante o renascimento da impulsividade,
o temor por olhos vigilantes?
E se aqueles olhos viessem acompanhados de bocas
e estas lhe atirassem palavras nuas e duras?
Conseguiria suportar em silêncio todas aquelas críticas,
não as veria com falta de afetividade.
Ainda teria a capacidade de despertar a ira,
de criar um escudo de raiva cheia de agressividade.
Ergueria muralhas suficientemente altas
para protegê-lo daquele doloroso apedrejamento.
E qual seria a razão da brutalidade alheia,
se ele mesmo tentava não ocupar espaço algum?
Por que causava tanto incômodo aos outros,
se tinha por objetivo, sendo possível, ser despercebido?
Haveria de fato essa reação, ou seria apenas
uma leitura distorcida das suas íntimas neuroses?
A melhor defesa seria o ataque
ou a agressão de sua parte diminuiria
suas suposta virtudes?
Haveria algo de bom em si,
ou estaria meramente tentando
se ajustar a um juízo social?
Teria temor da própria franqueza
ou não teria forças para suportar as suas conseqüências?
No desejo de ser pacífico não estaria se aliando
a tudo que não queria para si mesmo?
Até onde a paz pode ser benéfica,
até onde o conflito é maléfico? Limites para as atitudes.
Valem a pena as alianças quando estas estão apoiadas na hipocrisia e nos interesses vis?
Honestamente até onde o idealista é capaz de ir
para realizar, em vida, o seu sagrado ideal?
Cabe ao homem prático ser corruptível?
Ou antes de ser prático deve ser sinceramente justo?
Questões, questionamentos,
que fazem quem é de fato vulnerável ser vertido em titã .
Bom ídolo para ser sacramentado pela morte,
mas péssimo para os caminhos da vida.
Virtuoso para justificar a sina dos heróicos e dos santos,
mas sem espaço entre os homens.
Material precioso para o exercício da hipocrisia
dos posseiros do instinto de conservação.
Miseráveis em ações, mas riquíssimos na retórica,
nas alegorias da verborragia.
Dotados de si, a escravizar aos outros,
a fazerem-se de cordeiros, quando são lobos.
Mas que fazer se suposta ovelha
traz dentro de si o coração de um feroz felino?
Ante o forte,
os que se supõem fortes mantém-se realmente?
Ou dissimulam, tentando destrui-lo?
É possível que o temor imponha maior respeito que o amor?
O bruto só teme o chicote?
Ante a vitória do supostamente fraco
a tentativa de aliar-se,
de incorporá-lo para obtê-lo para si.
E então a nulidade poderá ser elevada
aos altares e os tolos hão de transformá-lo em ídolo.
Mas por pura vindima o idolatrado
há de rejeitar os súditos,
deixando-os sem rumo algum,
pintados com o cinza da melancolia,
 com a nulidade dos que enganaram a verdade.
Num quadro onde veem-se escombros
onde havia uma construção de fracos alicerces.
Gilberto Brandão Marcon
Enviado por Gilberto Brandão Marcon em 17/05/2009
Reeditado em 28/09/2018
Código do texto: T1599609
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