Sombra
O que uma sombra pode esperar da vida?
Pode desejar despertar sentimentos?
Pode desejar tornar-se um ser humano?
Sonhar com desígnios que não lhes são próprios?
Pode crer que um coração pulsa dentro de si?
Pode uma sombra sentir ciúmes?
Pode uma sombra achar-se digna de expor sensações?
Uma sombra não é mais do que um mero borrão de nanquim,
uma mancha escurecida numa folha em branco,
um desenho sem forma estética ou física,
um lago negro no qual os cisnes não ousam nadar...
Uma sombra é a total ausência de luz e cores,
é um vazio que devora a si mesmo sem um início ou fim,
é um meio que desaparece ao pôr do sol ou em tempos nublados,
uma sombra é uma parasita do brilho do sol e de pessoas,
uma sombra não tem rosto, nome, vida ou calor,
não tem ontem, hoje ou amanhã, pois o tempo a ignora,
uma sombra apenas se move pelo chão, escadas, muros,
queda-se, quebra-se, desaparece aqui para reaparecer adiante,
uma sombra não tem dono, não tem posses, não é livre,
está aprisionada em si mesma, sem algemas, sem grades,
no invísível que lhe torna insignificante no limbo do nada...