Silêncio

Há certos dias em que respirar dói,

quando as batidas do coração ensurdecem,

as lágrimas cegam olhos tristes,

e a vida deseja naufragar numa correnteza...

Há certos dias em que só esperamos a noite,

como morcegos de ponta cabeça na escuridão,

nenhuma lembrança ou sentimentos,

só um radar para proteger dos perigos...

Há certos dias em que a morte seria uma boa convidada,

uma cerveja gelada, dois dedos de prosa e um rápido funeral,

não seria tão mal ser conduzido ao barco de Osíris,

talvez para além das pirâmides a outra vida seja mais interessante...

Há certos dias em que quebrar espelhos seria um bom azar,

socar o reflexo com os próprios punhos faria algum sentido,

torcer para perfurar alguma veia imprescindível nos pulsos,

vendo o sangue esvair-se como um rio num quadro de Frida Kahlo...

Há certos dias que tudo deveria deixar de ser,

e se houvesse alguma insistência que não fosse a minha,

porque pó de túmulo não ecoa na vizinhança,

e eu queria ser apenas isso, o silêncio de um buraco negro...