Um Relógio de Vidro
O relógio de vidro espatifou-se em solene espetáculo para o mundo dos invisíveis.
Espalhou-se em uma explosão de milhares cacos como se fossem gotas d’água.
Vi milhares de meu rosto em cada fragmento, cada um em seu próprio grito único e singular.
E vi tudo a minha volta preso em um silêncio nauseante, perturbador e necessário.
Não restou muito de mim naquele chão.
Não restou quase nada.
Nem mesmo meus malditos sonhos.
O relógio de vidro não existe mais, não da mesma forma.
Ele não trabalha mais para o Senhor Tic-Tac.
Ele não anuncia mais as estações e nem à hora do Demônio.
O relógio de vidro é somente um pequeno lago de fragmentos sem sentido ou verdade.
No lago onde se encontra milhares de gritos abafados, escondidos, aprisionados em distorcidos reflexos.
Mas o tempo não pára.
O Senhor Tic-Tac nunca tira férias ou cai nos braços de Morpheus.
Os dias vêem, as noites se vão e assim seguem todos e tudo mais.
Nem mesmo a dor pode parar nessa corrida sem fim e sem vencedores.
E mesmo contra a minha vontade... Eu corro.
Corro para lugar nenhum, para nenhuma linha de chegada.
Corro para um fim que não existe nem mesmo para a morte.
E me torno como os restos do que um dia foi um relógio...
Um silencioso relógio de vidro.