O Abutre

Certa vez, caminhando na estrada,

Fitando o escuro horizonte,

Achei uma pena abandonada,

Preta como a roupa dum monge.



De que ave é essa pena?

Tal pergunta veio à fronte;

Do escuro horizonte se apresenta,

Um pássaro vindo de longe.



Fiquei surpreso, confesso,

Quando a ave, robusta, pousou na ponte,

Que no meu caminho ingresso,

Bem à frente, bem de fronte.



Com a pena em minha mão,

Caminhei na direção da ave;

Constatei, com olhos então,

Que a pena lhe confiasse.



Como se soubesse, ao me fitar;

Começou a crocitar,

Com as asas azucrinar,

As folhas secas com o ar.



Perguntei então ao pássaro,

Como se fosse entender,

Perdeu-se a pena ao acaso,

Naquele escuro entardecer.



Meu espanto foi imenso,

Quando com a voz num tormento,

Sacudiu a cabeça ao vento

E falou com gracejar lento.



Essa pena eu descartei;

Trazia-me lembranças tristes;

De fatalidades que passei

E de tu ouvir, desistes.

Respondi, conta-me o que te aflige,

Que se puder te ajudarei,

Fatalidade, a todos atinge,

E a minha te contarei.



Não imaginas que tristeza fico,

Quando descubro algo ruim,

De montanhas, procuro o pico,

E solitário fico até o fim.



Descobri, pois esses dias,

Que amor nunca existiu;

Só existe aparências frias,

Que nossa alma infligiu.



Esta pena representava,

Os afetos da amada;

Até que um dia, na invernada,

Mostrou-se então apagada.



Voou para longe, perturbada,

Tal figura desalmada;

Minha vida encravada,

Na sua carne abalada.



Nunca consegui o que quis,

Por mais esforço que fizesse;

Sempre me escapou por um triz,

E na desilusão me pusesse.



Desiludi a todos então,

Os que me acompanhavam;

Descobri depois aos choros,

Só minhas vitórias desejavam.



Com o tempo então passando,

Foi-se a pena se esfacelando;

Até que nesse entardecer brando,

Em tuas mãos foi parando.



Agora procuro, solitário,

Ficar longe, de soslaio;

Não quero mais mostruário,

De amor imaginário.



Tal sentimento não existe,

Digo mais, nunca existiu;

Se procuras então desistes,

Que verdade nunca se viu.



Minha vida foi sombria,

Tal qual esse horizonte;

Meu passado, uma agonia,

Encarei a dor de fronte.



Recomendo-te agora amigo,

Não fiques aqui comigo;

Como carne do jazigo,

Mal te fará se comer aquilo.



Ao ouvir a estória triste,

Do pássaro em minha frente;

Aproximei-me com deslize,

Pra descobrir a espécie dele.



Ao ver a cabeça despenada,

Que ainda me fitava,

Respondi na mesma fala:

Da rapina a ave herdava!



Não é necessário aproximar-te,

Disse a ave a grasnar;

Vou agora apresentar-me,

Sou um abutre a praguejar.



O que sabe da vida,

Uma ave de rapina;

Respondi que era sina,

Que ser agourento tira.



Como se fosse um profeta,

Respondeu com sabedoria;

Até tu me obsoleta,

Isso é muita covardia.



Conhece-me a pouco tempo,

Porque então me condena?

Só porque de onde venho,

Há culinária agourenta?



Sei que sozinho também estás,

Procurando algo, assim como eu;

Futuramente estarás,

Pensando como um ateu.



Ao dizer isso, alçou vôo,

E voou para o horizonte;

Desaparecendo no escuro morro,

Que ficava lá bem longe.



Fiquei ali por mais tempo,

Se toda noite, não lembro mais;

Do abutre e do vento,

Eu não esqueço jamais.



Daquele dia, doravante,

Solitário passei a viver;

Solitário, porém avante,

Tentando o amor entender.



Concluindo meu pensamento,

Ó Abutre, estás tão certo!

O amor é um invento,

De sonhadores tão perto.



Na verdade não existe,

Esse amor que todos dizem

O Abutre que era triste,

Continua a viver sem.



O Abutre era um profeta,

Que a verdade ensinou;

Saiu de negra atmosfera,

E o conhecimento assimilou.



Não acredito no amor agora,

A realidade comigo ficou;

Na verdade amor é lenda,

E abutre agora sou.



Andrios S Moreira
Enviado por Andrios S Moreira em 01/05/2006
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