Fel

Esse fel sorvido

A queimar as palavras

A corroer fonemas

A matar a fome e o espírito

É tudo fel

É tudo lágrima

Sem esperança

É gota sem chuva

É singular na finitude plural

É solitário na infinitude das multidões

É marginal no convexo dos rios

Esse fel amargo a escorrer

por dentro

a escavar em silêncio

Uma lava de vulcão adormecido

A acordar as cinzas sepultas da phênix

Esse fel

a me informar da tristeza

Que se faz eternamente presente

Que se faz quente

Quando o corpo o quer frio,

Quer o abrigo de coberta

Quer o silêncio cúmplice das madrugadas

Quer o cinza do breu adormecido

A esquina,

O fósforo,

a pequena lareira esquecida

Aquecendo o braseiro secreto

E um enorme iceberg

perfurando o casco das ilusões

E essa lágrima cristalizada no rosto

A expressão de tristeza tatuada por

detrás dos olhos

O nanquin do monge a negar o direito das

trevas se espalharem e,

finalmente encontrarem a luz

Flôr de lis

Flôr de cactus

Flôr partida

de uma primavera inteira

Esses pedaços,

Esses trocados,

Esses infernos diários

Estão pouco a pouco

secando a humanidade que há

E, então só restam os monstros

Que matam desesperados

Em busca da redenção,

Ou de uma

violenta sobrevivência.

Só os monstros se nutrem do fel

E permanecem intactos.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 08/03/2009
Código do texto: T1476599
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