Fel
Esse fel sorvido
A queimar as palavras
A corroer fonemas
A matar a fome e o espírito
É tudo fel
É tudo lágrima
Sem esperança
É gota sem chuva
É singular na finitude plural
É solitário na infinitude das multidões
É marginal no convexo dos rios
Esse fel amargo a escorrer
por dentro
a escavar em silêncio
Uma lava de vulcão adormecido
A acordar as cinzas sepultas da phênix
Esse fel
a me informar da tristeza
Que se faz eternamente presente
Que se faz quente
Quando o corpo o quer frio,
Quer o abrigo de coberta
Quer o silêncio cúmplice das madrugadas
Quer o cinza do breu adormecido
A esquina,
O fósforo,
a pequena lareira esquecida
Aquecendo o braseiro secreto
E um enorme iceberg
perfurando o casco das ilusões
E essa lágrima cristalizada no rosto
A expressão de tristeza tatuada por
detrás dos olhos
O nanquin do monge a negar o direito das
trevas se espalharem e,
finalmente encontrarem a luz
Flôr de lis
Flôr de cactus
Flôr partida
de uma primavera inteira
Esses pedaços,
Esses trocados,
Esses infernos diários
Estão pouco a pouco
secando a humanidade que há
E, então só restam os monstros
Que matam desesperados
Em busca da redenção,
Ou de uma
violenta sobrevivência.
Só os monstros se nutrem do fel
E permanecem intactos.