Ponteiros
Tantos anos se passaram
E tão da morte bem mais perto,
Só agora encontraram
O que não via, quando incerto.
As luzes do véu escuro
Que refletem meu pendor
Quando à janela, ao ar puro
Me raiam horas em seu penhor.
O mar de outrora testemunha
A quando à porta lhe ouvia o som
Tardado em ver-me , eco de alcunha
Marulho ocioso, já sem tom.
O passo trêmulo na rua incesta
Vesgo, tornado ao luar,
Sem banho da aurora já funesta
Perdido nos desvios a se buscar;
E a única mudez que eis-me resta
A lanço aqui, a te duvidar.
Passado dos passos
E cego das luzes,
Mudo dos traços
Mirante das cruzes.
Enfim, te descubrira:
Carrasco da constância
Que à várzea da luz me conduzira
E á pena da noite, na indutância.
Cruel és, meu operário,
Intermitente da dor que me vacila
sombreando-me teu onerário
Do ponteiro, a quando a alma vigila.
Sacrílego dos sonhos que forjaste
A ver-me incrédulo na ilusão de que os compus,
E acordado do mal que provocaste
Os ver-se embora em abismos nus.
E tardado nesta hora
À espera só do inesperado,
Nasço, segundo que vai embora
Morro, ponteiro jaz aleijado.
O relógio embora prossegue,
Pois o minuto vem apressado,
E como onda que me imerge
Vela o verso aqui deixado
E á mão do tempo que te rege
Cala-te o suspiro se me leste falado.