Ponteiros

Tantos anos se passaram

E tão da morte bem mais perto,

Só agora encontraram

O que não via, quando incerto.

As luzes do véu escuro

Que refletem meu pendor

Quando à janela, ao ar puro

Me raiam horas em seu penhor.

O mar de outrora testemunha

A quando à porta lhe ouvia o som

Tardado em ver-me , eco de alcunha

Marulho ocioso, já sem tom.

O passo trêmulo na rua incesta

Vesgo, tornado ao luar,

Sem banho da aurora já funesta

Perdido nos desvios a se buscar;

E a única mudez que eis-me resta

A lanço aqui, a te duvidar.

Passado dos passos

E cego das luzes,

Mudo dos traços

Mirante das cruzes.

Enfim, te descubrira:

Carrasco da constância

Que à várzea da luz me conduzira

E á pena da noite, na indutância.

Cruel és, meu operário,

Intermitente da dor que me vacila

sombreando-me teu onerário

Do ponteiro, a quando a alma vigila.

Sacrílego dos sonhos que forjaste

A ver-me incrédulo na ilusão de que os compus,

E acordado do mal que provocaste

Os ver-se embora em abismos nus.

E tardado nesta hora

À espera só do inesperado,

Nasço, segundo que vai embora

Morro, ponteiro jaz aleijado.

O relógio embora prossegue,

Pois o minuto vem apressado,

E como onda que me imerge

Vela o verso aqui deixado

E á mão do tempo que te rege

Cala-te o suspiro se me leste falado.

Vitor Barros
Enviado por Vitor Barros em 01/04/2006
Código do texto: T131944