SANGRANDO
Eu vejo o tempo pelo vidro da janela e sinto que ele me consola;
Só a tarde me assiste nessa hora, que vez por outra não me poupa;
Bote que deriva por onda revolta, invasão depressiva que me assola;
À queima-roupa qual tiro de pistola, pisoteado como folha solta!
Não há motivos aparentes que justifiquem tanta inquietude;
Má sensação de imensa magnitude, espinhos abraçando meu coração;
Indizível vácuo de solidão, impossível tradução de íntima solicitude;
Um fulminante ataque rude, a me deixar sem mínima reação!
Então prefiro me guardar de um mundo que nunca me compreende;
Falar pra mim o que só meu eu entende, desabafar na lágrima caída;
Amordaçar a dor já que não há saída, descrer que fique eternamente;
Sonhar que um vento de repente, derrame luz azul sobre minha vida!
Que sirva toda essa cinza pra me manter pequeno tal como sou;
Que o pão da dor sacie a fome por caminhos levianos;
Não tenho ambiciosos planos, aceito os espinhos que vêm na flor;
Fico como estou, sagrando meus frustrados sonhos!