Avenidas

às sete horas

saio apressado

carrego nos bolsos a angústia, tenho o cuidado de não esquecê-la

nas dobras do casaco

vão as migalhas emocionais da noite passada

meu desespero vai aqui

na pasta a tiracolo

dentro do livro, embrulhado em velhos papéis

às vezes quero deixá-los

às vezes quero desesperadamente ignorá-los

mas existem

flagelando os sentidos, obstruindo os caminhos

tristeza

que brota do jardim

como quero sair! descobrir minha própria dor

viver na constância do que sei ser apenas

a simplicidade,

na carta

vai semicerrada a ansiedade

oculta em códigos perceptíveis

em cada contorno de letra, em cada ponto obscuro,

não quero

trazer nas mangas de camisa a inquietação

abrigar como que jeitosamente na aba do chapéu

o ríspido desespero

não quero saber do silêncio que não é meditação

que apenas é a soma dessas sensacões

que não eleva a alma ao contentamento

que fere

insidiosamente,

no banco vazio do carro

na estrada que carrega o desejo do mundo

eu vou

estou

a sair pelas manhãs sem medo

a percorrer palavras como se fossem segredos

simplesmente quero deixar

minha angústia, meu desespero e minha dor

em casa

guardados no fundo das gavetas mortas

mortos como lembranças

petrificadas, amargas

passageiras ...