Escravos
É madrugada. A floresta ainda escura
Mostra os primeiros raios da aurora
No horizonte já se pode ver a figura
De navio que chega sem demora.
* * *
Surge o sol. A aldeia, então, desperta.
A vida aparece no terreiro.
Uma criança brinca, esperta.
Logo se vê, também, um guerreiro.
E o momento se torna intenso
Valentes guerreiros se põem a caçar.
O curandeiro queima seu incenso,
A harmonia domina todo o lugar.
Um jovem chega com a sua caça,
A primeira de toda a sua vida,
Vai para o centro da aldeia, na praça,
E grita, mostrando a fera vencida:
“- Venci a fera, sou guerreiro valente!”
E um barulho estoura, como um trovão,
O jovem tomba, diante de sua gente,
O jovem guerreiro cai morto ao chão.
E muitos outros tiros são dados,
São homens brancos, com armas nas mãos.
Velhos e doentes são alvejados,
Os brancos querem negros fortes e sãos.
Todos são levados para o navio;
São postos num porão sujo e nojento.
Qualquer gesto de fuga será tardio
E desfeito com golpe violento.
Então o navio parte novamente
Levando os frutos daquela manhã trágica.
Parte rumo a outro continente
Levando os filhos da Mãe África.
Em alto mar o choro e o sofrimento
É único entre todos os cativos.
Paira no ar um fedor nojento.
A doença os torna como mortos-vivos.
Atraca o navio em sua terra natal
Os negros descem, fracos, raquíticos.
São vítimas de violência tal
Que aceitam a situação pacíficos.
Às negras cabe o serviço caseiro.
Empregadas tratadas de forma banal.
E os homens trabalham o dia inteiro
Se desgastando no serviço braçal.
E violência, e insultos, e chicotadas
São o prêmio a quem se rebelar.
O negro preso, com suas mãos amarradas,
O feitor consegue fazer acalmar.
Que justiça é essa, meu Deus,
Que os homens fazem entre si?
Não são todos acaso filhos teus?
Não são todos semelhantes a ti?
Mas a justiça há de ser feita
Com quem sofre a escravidão
E os escravos, gente direita,
Terão a tua proteção.
E quando essa gente, então, um dia
Ao teu lado, Deus, se encontrar,
Mesmo lembrando o quanto sofria,
Ao homem branco vai perdoar.
“Ao lado do Pai estão muitos dos que sofreram em suas vidas; porque quem, de alguma forma, foi escravo, haverá de ser senhor de sua liberdade...”