Passamento
Chega um tempo que tudo morre
A infância, a casa, o quarto
desfolhado e desbotado na memória...
Acaba, morre, é demolido
E tudo o mais é motivo de choro.
Já não sou mais eu - vejo o retrato com os olhos mornos,
já esqueci como é ser criança de tempos atrás...
já esqueci o sabor quente das manhãs sólidas de outrora
porque agora me empurraram para a vida,
porque exigem de mim protocolos, documentos, rubricas
e outras coisas estúpidas que burocratizam o amor...
Venha, então, vida!
Que espero eu de ti? Nada!
Não tenho ambições, é verdade,
versos, amores, poucas saudades,
um dia que vale por toda uma vida
é o que me sobra - hoje, só e imundo, no meio da noite.
A sombra de um amor
(também há de passar)
uma saudade recente,
uma nódoa escura dentro do peito afirma que a vida é perecível
e que todos também, felizmente, hão de morrer
enquanto a doença, principalmente o câncer, ser incurável.
Todos, deitados, mortos.
Eu, também. Morto, bem morrido.
Sem saudades, amores, ausências, choros.
Triste dor remota num coração alheio:
Depois - só o pó do que um dia eu fui.
(também, não se preocupem, hei de passar.)
(Die)