Passamento

Chega um tempo que tudo morre

A infância, a casa, o quarto

desfolhado e desbotado na memória...

Acaba, morre, é demolido

E tudo o mais é motivo de choro.

Já não sou mais eu - vejo o retrato com os olhos mornos,

já esqueci como é ser criança de tempos atrás...

já esqueci o sabor quente das manhãs sólidas de outrora

porque agora me empurraram para a vida,

porque exigem de mim protocolos, documentos, rubricas

e outras coisas estúpidas que burocratizam o amor...

Venha, então, vida!

Que espero eu de ti? Nada!

Não tenho ambições, é verdade,

versos, amores, poucas saudades,

um dia que vale por toda uma vida

é o que me sobra - hoje, só e imundo, no meio da noite.

A sombra de um amor

(também há de passar)

uma saudade recente,

uma nódoa escura dentro do peito afirma que a vida é perecível

e que todos também, felizmente, hão de morrer

enquanto a doença, principalmente o câncer, ser incurável.

Todos, deitados, mortos.

Eu, também. Morto, bem morrido.

Sem saudades, amores, ausências, choros.

Triste dor remota num coração alheio:

Depois - só o pó do que um dia eu fui.

(também, não se preocupem, hei de passar.)

(Die)

Fernando Marini
Enviado por Fernando Marini em 14/09/2008
Reeditado em 14/09/2008
Código do texto: T1177684