Jogral da Solidão

-I-

Solidão; porque coloca esta sua mão fosca

sobre minha inocente cabeça?

Destilas a tua seiva, não doce, que vai ao poucos

se misturando com meus maus pensamentos

e descem lentamente até meu coração.

Nada te fiz - porque me persegues?

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Olha quem diz; sou a solidão sim; mas é você quem me segue.

Estou sempre a seu lado – sou tua aprendiz.

Nunca amaldiçôo quem na minha frente não se ajoelha.

II

Me enganas, sua loba com pele de ovelha,

Invades o meu ser e ainda me aconselha!

Espedaça a minha vida; fico sangrando então se apresenta

- camuflada de remédio.

Me arrebata para o tédio; te trago e me sufoca no isolamento.

Em minha pele injeta seu veneno - não suporto este tormento.

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Sou um pleonasmo inverso – “a bebida que você não bebeu”.

Sou gustativa - “a delícia de mulher” que você não degustou.

Sou utopia da sensação - “o corpo que você não sentiu”.

Sou o paradoxo da companhia – “comigo; sempre estará só”

III

Não entendo teu linguajar, basta; já esta me arrancando tudo.

Sinto ira; ordeno, suplico - alguém me conte uma mentira!

Grito; vou para rua, lá você está, como um rolo compressor.

Não ouve meu brado; me esmaga, tritura – fico quebrado.

Levanto arrasado e você só diz – veja mais um pobre diabo!

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Sou a mescla rara de um néctar maldito - tudo que te magoa.

Sou a mãe da tristeza - filha primogênita da angustia.

Me chamaste; vem tristeza - agora sou sua pele, “sua beleza”.

Me atiras para o alto; sou bumerangue – circulo com teu sangue.

--IV--

Sigo a rua, estou só, mas você me segue e grita – não esqueça de mim.

Olha um manequim: escute estão rindo, não tem ninguém - só pode ser de mim.

Sussurras no meu ouvido; sou invisível, é de você; viro e olho para eles.

Fazem cara de sério, não digo nada, mas te interrogo – eles são felizes?

Sim; não sabem que vão morrer; só porquê estão rindo?

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Porque usas de metáforas para me atingir? Vai indo!

Teus passos sabes dirigir? – acha que agora vou rir.

Estou aqui para: com dor te atingir – não vou fingir.

Nem pense que vou te acudir, no chão pode cair.

Tenho uma missão a cumprir - tenho que te punir.

--V--

Logo decido, vou seguir - mas como posso?

Você é uma sombra, me segue como fantasma – não posso fugir.

Angustia-me, me faz mal, olha a manchete no jornal

– a felicidade está mais à frente.

Mas não sou crente, me empreste o pente, não te; esqueça

– nunca mais coloque a mão sobre minha cabeça.

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Conheço tuas sensações tácteis – e sempre estarei te atormentando.

E fui, eu fiz, eu sou, tudo de bom que você queria ter vivido

pequenas e grandes coisas, um amor querido – sem viver, ficou inibido.

Alguém querido que não ajudou – uma conquista interrompida.

-VII--

Escute é a voz do mar; na esquina vou virar - acho que é lá seu ninho.

Chupo-te como uva, urino no esgoto - mas voltas com a chuva.

Tenho preguiça; tento correr e me seguras - como a areia movediça.

Na hora derradeira; sem querer te chamo de companheira.

Sei que és a antítese – do meu viver sem vida.

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Esqueceu; sou o acróstico das iniciais de todos os teus males.

Mas lembre-se; sou tua companhia mais sociável - não te deixo ao léu.

E nem te quero no mausoléu – sempre te alcanço um chapéu.

--IX--

Esta é boa, agora você é meu anjo da guarda, minha amante.

Lembrei estou precisando é de uma amante, duas ou três

– quem sabe a solidão espante.

Estou ilhado preciso de alguém, vou ver uma boneca ou uma madona

- se não tiver vou para zona.

Vejo uma; grito; estou aflito - vem meu amor, me tira da solidão.

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Engana-se; sou insubstituível; nem amor, dor ou pudor.

Sou a esfinge; ninguém me decifra; não tenho cor – sou ilegível.

Sem pudor dou a luz à angústia – e batizam meu filho de dor.

--X--

A festa acabou, vem comigo - mas não sei aonde vou.

Virei olhando seu rosto; uma lágrima rolou; ela chorou - que foi?

Tu és uma flor; sim mas você vai - a solidão me atacou.

Sai em silêncio, bati a porta, corri, gritei, adeus - nunca mais solidão.

Deixei-a com ela, ela ficou com minha solidão - estou livre!

Como um pássaro; quase seminu - atirei minha penas para o ar.

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Pare, pare, aquela solidão era a dela - eu sou a sua.

Cada um tem a sua companheira que é a solidão verdadeira.

Sempre te acompanhei, acompanho - nunca largarei.

Senta ai e se acalme, volte a ser triste – nada de alarme!.

--XII--

Se cada um tem a sua; porque ninguém gosta da solidão?

Quero distância, vou embora - você é bem sem elegância.

Há quem se queixe; nas festas, nos amores – lá você está presente.

Veja quanta gente; fernandinhas e caubóis – mas tua marca os corrói.

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É filho; estou com os poderosos, incapazes e medrosos.

Nova; sou invisível, nada aparece, com o tempo meu ser se fortalece

– junto com tuas desilusões meu poder cresce.

Sou abstrata, imaginária mas todos sentem o peso de minha mão

– minha maldade sempre aparece.

--XIII--

Não me chame de filho. Alguém disse que você é a praga do século.

Tem muita gente sofrendo por tua causa, até se matam ou matam.

Você leva a depressão; a tristeza, que deve ser tua irmã ou irmão.

Toda vez que sua sombra cinza visita um ser - sempre rouba um pouco.

Solitário ou nas festas, sempre tem alguém sofrendo – aqui acolá.

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Amigo; nós da família solidão não temos culpa – cada vez tem mais espaço.

Estamos só cumprindo nossa função; tem gente que vive em uma eterna solidão

- sempre me chamam com a droga, intrigas, brigas – dizem que são amigas.

Você é um que sempre fica comigo. A propósito gostou de te chamar de amigo?

--XIV--

Amigo está melhor; já que não posso me livrar - vou te aceitar.

Chamarei-te de Teresa, ela também cansa a minha beleza.

Responda-me com certeza; e esta gente que só enxerga seu umbigo?

Sim mesmo aquele que se dizem bravos; também são seus escravos?

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Amigão; para estes tipos de coisa eu nem ligo, são estúpidos sem receio.

Cá entre nós; são os que mais vivem a sós - e para solidão é um prato cheio.

Não invento, e ao ver eles afundando na amargura – só contemplo.

Ainda é tempo, me entenda; me aceite como sua amiga – sou pura.

Fico má, te afogo no veneno quando você quer – o sabor é da tua mistura.

Samoel Bianeck
Enviado por Samoel Bianeck em 24/02/2006
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